A Ditadura do Proletariado, a República Soviética e as Tarefas da Revolução

Conseguimos! O proletariado português está em marcha, o momento porque todos esperávamos chegou! O governo está sem poder, os sovietes e conselhos de trabalhadores já se organizam para arrancar com o primeiro Congresso dos Trabalhadores, os patrões que ainda não fugiram estão a ver a sua preciosa propriedade a ser expropriada pelos trabalhadores, o poder caiu nas ruas. Em suma, a revolução triunfou! 

E agora? 

Felizmente (ou infelizmente) o dia em que será imperioso responder a essa pergunta ainda não chegou. No entanto, é necessário, para propósitos de agitação, propaganda e explicação, saber e saber explicar o que nós procuramos depois da superação revolucionária do capitalismo, pois não podemos encorajar ninguém a marchar contra o sistema capitalista se não lhe apresentarmos um plano, um projeto de um futuro melhor. 

E qual é esse plano, esse projeto? A Ditadura do Proletariado, na forma da República Soviética (ou de Conselhos). 

O que é a Ditadura do Proletariado? 

“Vocês comunistas são loucos! Vocês que lutaram contra a ditadura tzarista, a ditadura de Batista, a ditadura de Franco, a ditadura de Salazar, vocês que lutaram contra tudo o que era ditadura fascista neste momento, propõem-se agora a instaurar a vossa própria ditadura?! Vocês não querem saber dos trabalhadores, do povo, apenas são uns sedentos de poder que desejam governar com mão de ferro o país e o mundo! Vocês não são em nada melhores que os fascistas! Rua, xô, fora daqui, que eu vou masé apoiar a Iniciativa Liberal!” 

Isto pode ser uma objeção comum de qualquer trabalhador ou pessoa que, sem prévio conhecimento, ouça falar da Ditadura do Proletariado. E afinal de contas, quem os pode culpar? Ditadura é uma palavra ameaçadora, e quem é que quer viver sobre um estado repressivo, autoritário, sem liberdades e direitos?  

No entanto, quando nós comunistas falamos de ditadura do proletariado, não falamos de uma ditadura no sentido comum da palavra, mas sim uma forma de organização da sociedade em que o Estado, ou melhor dizendo, os aparelhos repressivos (polícia, exército, polícia secreta,) e ideológicos (escola, comunicação social, etc.) servem os interesses do proletariado na sua luta de classes contra a burguesia e contra os reacionários. Esta ditadura é uma necessidade e uma consequência de dois fatores:  

  • Uma necessidade, pois, depois de uma revolução triunfante, em que o poder cai nas ruas, nas mãos dos pobres, dos oprimidos, dos explorados, dos trabalhadores e proletários em geral, a burguesia nacional e internacional, as restantes forças estatais e todos os reacionários ir-se-ão inevitavelmente unir contra essa revolução, com o propósito de a esmagar e restaurar os seus privilégios. Tal é uma lei de todas as revoluções, e a nossa não será exceção. Será então necessária a nossa ditadura, com os nossos aparelhos repressivos e ideológicos, para salvaguardar a nossa revolução.  
  • Uma consequência, pois, a burguesia tem também a sua ditadura, a ditadura da burguesia. Esta, mascarada da mais livre democracia, faz uso dos seus aparelhos repressivos e ideológicos para manter a burguesia e o sistema capitalista de pé, pois serve os interesses da burguesia e da classe capitalista na luta de classes. Por muito democrático que seja o nosso governo, por muitos livres que sejam os nossos órgãos de comunicação social, estarão sempre ao serviço do Capital e dos seus interesses.  

Lenine, no seu Estado e Revolução, explica esta questão melhor que eu:  

“O Estado é uma «força especial para a repressão». Esta definição admirável e 
extremamente profunda de Engels é dada por ele aqui com a mais completa clareza. E daí resulta que a «força especial para a repressão» do proletariado pela burguesia, de milhões de trabalhadores por um punhado de ricos, deve ser substituída por uma «força especial para a repressão» da burguesia pelo proletariado (a ditadura do proletariado). É nisso que consiste a «supressão do Estado como Estado». É nisso que consiste o «acto» da tomada de posse dos meios de produção em nome da sociedade.” 

Tendo aqui esclarecido o que é a Ditadura do Proletariado, temos que discutir a sua forma, que na minha opinião, não pode ser nenhuma outra a não ser a República Soviética (ou de Concelhos) 

O que é a República Soviética? 

A República Soviética é a forma mais avançada, mais democrática, mais livre que um Estado pode tomar. Por consequente, é a forma mais eficiente duma Ditadura do Proletariado. Mas o que é? 

Bem, pressuponho que o leitor saiba o significado de República, mas pode ter algumas dúvidas sobre o significado de Soviética. Soviética quer dizer “de Sovietes”. E o que é um Soviete? Bem, os sovietes foram conselhos de operários, camponeses, soldados e marinheiros e/ou dos seus delegados democraticamente eleitos durante as revoluções russas de 1905 e 1917. Esses mesmo concelhos tomaram conta da zona em que operavam e das suas indústrias. Em suma, foram as formas que a classe operária russa utilizou para tomar conta da sua própria vida, para se organizar em defesa das suas conquistas revolucionárias e para gerir a produção e distribuição em autogestão, sem o envolvimento do patronato. Eram conselhos operários, portanto. 

E estes conselhos não foram a obra de um estratega qualquer, de um Marx, de um Lenine ou de um Trotsky, mas sim o resultado inevitável da organização da classe trabalhadora em períodos revolucionários. Isto é provado pelos mil e um exemplos que temos de trabalhadores se organizarem nestes conselhos em períodos revolucionários, desde Portugal até à Alemanha, passando pela Argentina e muitos outros países. Portanto, os sovietes são a forma mais plena de organização da classe operária numa revolução, e quando vier o tempo de quebrarmos o poder do Capital aqui em Portugal, também irão aparecer. 

“E porque é que o autor usa Soviética/Soviete em vez de Conselhista/Conselhos?” Por uma razão puramente estética (prefiro mil vezes a palavra soviete a concelho) e por uma razão de continuidade histórica, pois todos os comunistas são herdeiros da Revolução de Outubro, e o mínimo que podíamos fazer para a honrar era usar a sua bela terminologia para o mais importante instrumento organizativo da classe operária, o Soviete (ou Soviet, para quem quiser mesmo levar a coisa até ao fim) em vez da velha e aborrecida palavra lusa Conselho (que mais faz lembrar a Câmara Municipal.) O leitor é livre de usar a palavra que quiser, no entanto.  

Portanto, tendo esclarecido o que é um Soviete, temos que demonstrar a sua importância perante as outras formas de organização da classe operária, nomeadamente os sindicatos e o partido. Para isto, mostrarei porque estas duas formas de organização são piores como o pilar central de uma hipotética ditadura do proletariado comparativamente aos sovietes. 

A organização social da produção e da indústria à volta dos sindicatos é uma das bandeiras dos anarcossindicalistas, grupo que durante o final do século XIX e início do século XX teve bastante influência, especialmente em Portugal. Envolveria que os sindicatos controlassem a indústria e a produção, com cada sindicato a controlar a sua área e a coordenarem-se autonomamente, sem necessidade de envolvimento de um estado (não rejeitando alguns sindicalistas a existência de um estado). No entanto, este sistema tem bastantes problemas. Os sindicatos são organismo que pertencem ao período histórico capitalista, e não poderão passar para o período histórico revolucionário. Isto deve-se à sua função como instrumentos da classe trabalhadora para negociarem aumentos de salário e de condições com o patronato. Ora, se depois da revolução o patronato deixa de existir como posição social, os sindicatos perderão o seu propósito, e terão apenas caminhos: ou se tornam numa espécie de federação de sovietes, com cada célula de fábrica ou comitê de greve a tomar o papel de um soviete, que,  no entanto terá como legado da época capitalista uma pesada burocracia que terá como interesse manter a sua posição, prejudicando os interesses dos trabalhadores; ou, e também como consequência do caminho anterior, irão eventualmente transformar-se em órgãos burocráticos de controlo da produção em vez de esse papel caber à classe trabalhadora, o que levará a uma nova espécie capitalismo de estado. De qualquer maneira, são uma alternativa pior aos sovietes. 

A predominância do Partido de Vanguarda na sociedade, na produção e na indústria é outra alternativa que deve ser rejeitada. Pela sua própria natureza, o Partido de Vanguarda é uma organização hierárquica que nunca poderá incluir em si a totalidade ou a maioria da classe operária, pois apenas inclui os membros mais avançados do proletariado e que irá, como as experiências socialistas do século XX mostram, servir como uma plataforma para burocratas e carreiristas melhorarem as suas vidas em detrimento dos trabalhadores caso tenha um domínio da atividade do estado. O próprio envolvimento excessivo do partido em assunto que a classe trabalhadora com as suas organizações autónomas, como os sovietes, é algo que tem que ser rejeitado. Por exemplo, o aumento do controlo dos comitês de fábrica, que se podia dizer que eram os “primos” dos sovietes na revolução russa, por parte do Partido Comunista Russo foi um dos catalisadores da instauração do regime capitalista de estado. Não podendo julgar esta decisão de um ponto de vista moralista, pois Lenine e os Bolcheviques, ao contrário do mito e da lenda anarquista e esquerdista, não o fizeram por querer, mas sim por necessidade (o salvaguardar do “Poder Soviético” até à revolução alemã ou europeia triunfar era a prioridade principal deles), posso acusar esta medida de ter diminuído a participação dos trabalhadores na construção do socialismo, e, portanto, não deverá ser repetida, sobre pena de condenar a nossa revolução a um capitalismo de estado e a classe operária mundial a mais tempo passado debaixo da escravatura do Capital e do Salariato.  

Portanto, a Ditadura do Proletariado, para poder abrir caminho à Revolução Socialista Mundial, ao socialismo e ao comunismo, terá que seguir o caminho da República Soviética, em que os sovietes, órgãos democráticos dos delegados dos trabalhadores e dos membros das outras classes aliadas ao proletariado, com delegados revogáveis e responsáveis diretamente ao soviete, serão a mais básica célula social. Desde organizarem o dia a dia de uma comunidade a serem o ponto de partida e de chegada de qualquer iniciativa legislativa introduzida num congresso de sovietes, órgão esse que será o mais alto órgão legislativo da República, os sovietes terão um papel fundamental na Ditadura do Proletariado. Os órgãos políticos terão que ser diretamente responsáveis aos trabalhadores, e para tal, a Ditadura do Proletariado poderá fazer uso das novas tecnologias para aumentar as ligações entre os delegados e os governantes e os sovietes. Neste sistema, o Partido de Vanguarda não terá o papel de ser o tutelador de todo este sistema, mas apenas terá que servir como um órgão de “vigilância”, garantindo que o sistema não entra nos caminhos da restauração capitalista e do capitulacionismo. Também terá o papel de tutela nos primeiros passos da Ditadura do Proletariado, enquanto as massas trabalhadoras ainda tiverem réstias de preconceitos e de ideologias burguesas.  

No entanto, este papel de tutela apenas se deverá limitar às massas mais atrasadas, não devendo o partido de cair na tentação de limitar a ação das massas mais avançadas, como por exemplo no caso dos comitês de fábricas. Este limite é bastante importante, pois dele depende se a República Soviética se tornará um apêndice do Partido e consequentemente cairá nas garras do capitalismo de estado e da burocracia, ou se a República Soviética seguirá o seu caminho de democracia e fraternidade para as mais amplas massas trabalhadoras. 

A produção na República Soviética terá que ser gerida pelos próprios trabalhadores, nos seus órgãos autónomos (comitês de fábrica e sovietes), com o planeamento a ser coordenado num órgão destinado para o efeito, que estará nas mãos dos trabalhadores e apenas nas suas mãos. O partido apenas poderá fazer recomendações sobre a produção e o planeamento, e o estado, que estará ao serviço do proletariado, apenas servirá para pôr esse plano em prática naquilo em que os sovietes e os comitês individuais não conseguirem fazer, como projetos em larga escala que exijam coordenação e rapidez. 

As próprias forças de segurança e de defesa. Em vez de organizações limitadas a uma pequena parte da população, terão que envolver todo o povo trabalhador, organizado em milícias populares de operários e trabalhadores armados com eleição democrática dos oficiais e sem diferença entre o tratamento dado a oficiais e a soldados, pois é nessa diferença que nasce o cancro do militarismo e da criação de um corpo de oficiais carreiristas, duas graves ameaças à Ditadura do Proletariado.  

A educação também terá que ser diferente, não só no programa das escolas, mas em toda a forma que elas funcionam. Estas terão que passar de um local de treino para o trabalho assalariado e para a sociedade burguesa e transformar-se numa verdadeira comunidade de indivíduos que queiram aprender e ensinar uns aos outros, em livre associação, tomando em conta, obviamente, as diferenças de idade e de conhecimento presentes. 

Muitas outras diferenças, demasiadas para serem descritas aqui, existiram entre a Ditadura do Proletariado e a Ditadura da Burguesia, entre a República Soviética e a Democracia Liberal. 

Crítica a certas conceções da ditadura do proletariado 

Em Portugal, apenas um partido de relevo defende a Ditadura do Proletariado, o Partido Comunista Português, no seu programa. No entanto, e começando logo pelo facto de confundir a Ditadura do Proletariado com o Socialismo, este programa tem, desde o início, várias falhas. É importante, portanto, criticá-las, pois não podemos agitar pela Ditadura do Proletariado se o nosso programa terá logo em si as sementes da sua própria dissolução. Para isto, vamos analisar a parte “O socialismo – Futuro de Portugal” do quarto capítulo. 

  • Em primeiro lugar, não há menção logo no início da importância do internacionalismo na revolução socialista. A ditadura do proletariado pode ser construída num país, mas o socialismo nunca. Creio eu que o estalinismo tenha sido suficiente para destruir esse mito nas cabeças dos comunistas.  
  • Em segundo lugar, na organização política de um Portugal Socialista, não há menção nenhuma a sovietes, a operários armados, expropriações ou qualquer outro componente essencial duma ditadura do proletariado. No entanto, há várias menções à maior liberdade de formação de partidos políticos, de expressão e de proteção dos direitos jurídicos. Ou por outras palavras: “burgueses, não se preocupem, no socialismo poderão formar os vossos partidos reacionários e contrarrevolucionários, poderão espalhar as vossas mentiras e boatos sem se preocuparem com retaliações!”. Não sei se posso chamar a isto de oportunismo, de revisionismo, mas sei que posso chamar a isto de uma falsificação completa do Marxismo e do Leninismo! 
  • Em terceiro lugar, na organização económica, defende-se a consideração do papel do mercado, a defesa da propriedade resultante do trabalho (palavras doces para defender a pequena produção mercantil pequeno-burguesa), e apenas uma menção de passagem da “iniciativa e directa intervenção das unidades de produção e dos trabalhadores” no planeamento. Ou seja, uma continuação do capitalismo de estado com uma NEP permanente.  

Que grande socialismo, ah? É isto que defendemos, comunistas? É este o modelo da sociedade que queremos implantar? 

As Tarefas e os Objetivos da Revolução 

 No entanto, não basta explicar que sociedade queremos criar no futuro, também temos que criar objetivos e tarefas concretos para a Revolução Proletária. Consigo trazer para a mesa alguns dessas tarefas e objetivos, sabendo bem que podem ser insuficientes e/ou errados. A elaboração da lista das tarefas e objetivos da Revolução, também conhecida como o programa político do proletariado, não cabe a um escritor, mas sim ao Partido de Vanguarda. No entanto, creio que não há mal em expôr algumas ideias gerais para que o leitor reflita e debata com os seus camaradas e conhecidos. 

Tarefas Imediatas dum Governo Revolucionário: 

  • Subida do Salário Mínimo para 900 euros; 
  • Criação de um teto salarial de 10,000 euros; 
  • Fim do IRS para os rendimentos do trabalho inferiores a 2000 euros; 
  • Imposto sobre a riqueza de 90% sobre toda a riqueza acime de 1 milhão de euros; 
  • Nacionalização Imediata de todas as empresas com capital social superior a 1 milhão de euros ou de importância estratégica, e transição para o controlo dos trabalhadores; 
  • Redução do horário de trabalho para 30 horas semanais; 
  • Aumento em 50% das pensões; 
  • Apoio à criação de comitês de fábrica e de empresa e a órgãos regionais e nacionais de cooperação, coordenação e planeamento da produção e distribuição; 
  • Nacionalização de toda a propriedade imobiliária, inclusive prédios rústicos com imediata transição para a posse dos inquilinos. Compensação a todos aqueles que estejam abaixo de um certo limiar de rendimentos/acima de uma certa idade; 
  • Obras de restauração em todas as propriedades devolutas nacionalizadas, para futura doação a cooperativas de habitação; 
  • Imediata nacionalização de todos os hospitais privados; 
  • Legalização imediata de todos os imigrantes ilegais: 
  • Reforma Agrária, com especial atenção nas propriedades do Alentejo trabalhadas por imigrantes; 
  • Apoio à criação de sovietes e de todo o tipo de coletivos revolucionários; 
  • Convocação de uma Assembleia Revolucionária; 
  • Fim dos exames nacionais; 
  • Fim da GNR e da PSP, criação de uma força de milícia para manter a segurança pública; 
  • Democratização do exército, fim dos privilégios para oficiais, eleição de oficiais, envio de comissários políticos para todos as unidades; 
  • Saída imediata da NATO e do FMI; 
  • Expulsão imediata de todas as tropas estrangeiras de Portugal; 
  • Cancelamento total da dívida externa portuguesa; 
  • Convocação de uma nova Internacional Comunista; 

Objetivos da Revolução: 

  • Eletrificação de toda a economia e toda a atividade produtiva; 
  • Fim do trabalho assalariado, redução do horário de trabalho para 10 horas semanais; 
  • Automatização da atividade produtiva; 
  • Distribuição gratuita, segundo as necessidades, de todo os bens e serviços de primeira necessidade; 
  • Des-urbanização; 
  • Descarbonização; 
  • Redução do uso dos automóveis; 
  • Comunização da atividade produtiva; 
  • Criação de um programa espacial; 
  • Revolução Artística, Cultural, Social, Sexual, Educacional; 
  • A Revolução Socialista Mundial; 
    • O COMUNISMO; 

Conclusão

Camaradas, a nossa luta é uma luta difícil. Lutamos pelo comunismo, uma sociedade que muitos descrevem como utópica. Mas ao contrário dos utópicos de tempos passados, nós comunistas, que herdamos uma doutrina e uma linha de pensamento amadurecida, sabemos como lá chegar. Sabemos que será o caminho mais árduo que a humanidade terá que passar, mas sabemos que iremos lá chegar. 

E para começar esse caminho, para dar o primeiro passo na construção revolucionária do comunismo, há que convocar as massas para a batalha final, para uma batalha que será mais que a luta constante de classes contra o patronato que elas combatem diariamente, mas uma luta para destruir completamente a sociedade burguesa. E para essa convocatória, é necessária uma palavra de ordem. Das mil que podem ser imaginadas, aquela que eu considero a melhor, aquela que mais me diz algo, e aquela que irei por em primeiro lugar, pois creio que não existe uma melhor, é esta: 

вся власть Советам! 

TODO O PODER AOS SOVIETES!

V. da Silva

Porquê rejeitar o Capitalismo?

Se somos comunistas, e portanto, anti-capitalistas, temos que ter boas razões para rejeitar o sistema económico vigente e ter a capacidade para convencer, de forma simples mas cogente, aqueles que ainda não o rejeitaram. Este artigo procura exatamente isso.

Nota: este artigo não é a opinião final do Jornal Bandeira Vermelha, mas apenas a opinião de um dos seus editores. Toda a responsabilidade cabe apenas a ele. Qualquer duvida ou crítica ao que for exposto neste artigo será bem vinda.

Capitalismo - Wikiquote

Como funciona o sistema capitalista? Bem, uma grande parte da população mundial, os produtores assalariados, interagem com a natureza e com os meios de produção para produzirem bens e serviços, em troca de um salário. Esses bens e serviços são depois apropriados diretamente ou indiretamente pelas empresas dos trabalhadores, ou melhor dizendo, pelos capitalistas, gestores, adminsitradores, concelhos de administração e outros orgãos administrativos dessas empresas, que depois os vendem no mercado. Dessa venda recebem dinheiro, que é usado para pagar salários, custos de produção, os seus próprios vencimentos e prêmios, impostos, para investir no mercado financeiro e em formação de capital, para pagar os salários de trabalhadores não produtivos (como advogados, pessoal de marketing, etc etc.) e para outras despesas que não importa aqui mencionar.

Com os rendimentos que recebem dos seus salários, os produtores compram os bens e serviços no mercado para continuarem a viver e a poderem ir trabalhar. Os gestores fazem a mesma coisa, se bem que, com os seus rendimentos maiores, podem se também dedicar a uma vida de luxo e prazer, algo impensável para muitos dos assalariados. O mercado financeiro funciona como credor e depósito dos rendimentos de toda a sociedade, o Estado serve como o defensor do sistema capitalista e da paz social (atravês de meios repressivos, como a polícia e o exército, e meios mais benéficos, como subsídios, o sistema educativo e programas de ajuda social), e os trabalhadores não produtivos servem também para manter o sistema capitalista atravês da sua ação, como é o caso de advogados ou do pessoal de marketing.

Temos aqui, muito resumidamente, o que acho que é o sistema capitalista moderno nos seus compontentes mais essenciais. Para ajudar quem não tenha compreendido, aqui fica um desenho:

Compreendido? Aqueles com uma maior compreensão do sistema poderão estar a praguejar perante esta explicação, mas peço que sigam a minha linha de pensamento.

Sendo que é assim que o sistema capitalista funciona, os comunistas e anti-capitalistas podem ser tentados a criticar o capitalismo pela maldade dos seus intervenitentes, nomeadamente os capitalistas e os gestores, pelo facto de serem gananciosos e de portanto enganarem os trabalhadores. No entanto, esta crítica é ínutil, pois arrasta-nos para um debate prolongado sobre a moralidade e sobre se na verdade os capitalistas são bons ou mãos.

A nossa crítica não se devia basear na moralidade dos agentes no sistema capitalista, mas sim nos aspetos alienadores, destruidores e suicidas que o sistema implica, pois estes são irrefutáveis. É esses aspectos que eu vou falar sobre no resto do artigo.

Em primeiro lugar, temos que falar sobre a insustentabilidade do proprio sistema capitalista em relação ao planeta em que ele reside. Como demonstrado anterior, a unica forma de as empresas fazerem um lucro é empregarem trabalhadores para entrarem “em contacto” com a natureza e transformar os seus recursos em mercadorias e serviços. E é uma das exigências fundamentais do sistema capitalista que as empresas aumentem constantemente os seus lucros, pois caso contrário, não serão capaz de sobreviver no mercado (mais sobre isso depois). Então, conclui-se que é necessário “arrancar” cada vez mais recuros do planeta para sustentar o sistema capitalista. No entanto, isto é claramente impossível! Um planeta com recursos finitos não pode sustentar um crescimento infinito! O crescimento pelo próprio crescimento, um dos axiomas sobre o qual o sistema capitalista funciona, é a ideologia das células cangerígenas! Espero não ser necessário para o leitor que eu lhe aponte as consequências deste aspeto do capitalismo, basta observar a emergência climática que se aproxíma, a destruição dos solos ferteís e o cada vez mais próximo fim das reservas de petróleo mundiais.

Uma plantação de óleo de palma na Indonésia, no que antes era floresta virgem

Em segundo lugar, a própria forma em que os recursos naturais são transformados em produtos pelos trabalhadores com recurso aos meios de produção, o trabalho, é uma realidade profundamente alieanante, onde uma pessoa tem que trabalhar por 30, 40, 50 ou horas por semana, não por amor ao que faz, não por se identificar com o produto final (pois para o “trabalhador comum” não especializado tanto importa se faz lápis, rótulos ou trabalha numa caixa de supermercado), mas porque precisa de pagar as contas para sobreviver, porque precisa de viver (sugestão: ler o manifesto contra o trabalho do grupo exit http://www.obeco-online.org/manifest.htm). Isto sem tocar na questão da mais valia, em que o valor produzido pelos produtores é apropriado pelos capitalistas e/ou gestores, ou seja, do valor que eles adicionam a uma mercadoria ou bem vendida no mercado, os produtores apenas recebem parte, com o restante a servir como lucro dos capitalistas e das empresas.

Em terceiro lugar, as empresas modernas, entidades altamente hierárquicas onde os trabalhadores são tratados como qualquer outra ferramenta, apenas capaz de aumentar os lucros na spreadsheet do final do ano, tem como único objetivo o aumento dos seus lucros, que tem que aumentar, não olhando a meios. Se necessário for cortar benefícios aos trabalhadores, assim seja. Se for necessário mudar as fábricas para países onde a mão de obra seja quase escrava, assim seja! Normalmente, o que acontece é que as empresas, através de um meio de progresso tecnológico, diminuição de custos de produção, campanhas publicitárias, compra/absorvação de rivais, e diminuição temporária de preços para conquistar mercados, aumentam a curto prazo os seus lucros, levando os seus competitores à falência, nomeadamente as pequenas empresas familiares. Basta ver o que acontece às mercearias de bairro quando chega uma cadeia de supermercado à sua área de operações. Desaparecem!

Em quarto lugar, com o progresso do sistema capitalista, o mercado financeiro aumenta cada vez mais a sua importância. Bncos, crédito e débito, ações, bolsa de valores, obrigações, ferramentas financeiras, etc etc tornam-se, para os poderes dominantes, sinónimos de riqueza, progresso e crescimento económico. Mas quando a produção de riqueza duma economia se torna o produto de um autêntico casino, é inevitável que vá dar porcaria. As cada vez mais cíclicas crises do capitalismo, que tem muitos outros fatores, demasiados para serem aqui todos enumerados, levam à miséria generalizada da sociedade, com todas as consequências que nós sofremos aquando da crise de 2008-2011 e que vamos sofrer com a pandemia mundial. E mesmo em períodos de riqueza, prosperidade ou até de recuperação, o estilo de vida de muitos trabalhadores e o crescimento de muitas empresas é baseado num crescente endividamento, num sistema claramente insustentável.

Um grande crash das bolsas pior que 2008 vem aí
Quem já se esqueceu do crash de 2008? É que vem ai outro pior…

Em quinto lugar, tal como a produção de bens para sustentar o sistema capitalista tem que recorrer a um uso cada vez maior de recursos do planeta, as empresas e os capitalistas tem que aumentar cada vez mais os seus mercados, a mão de obra disponível e os recursos que podem extrair, se necessário for, à força. Isto leva inevitavelmente ao imperialismo, em que na procura incessante de aumentar lucros, as potências mundias lutam abertamente (como durante o século dezanove e a 1a Guerra Mundial) ou atravês de meios mais secretos (como durante a guerra fria e o período histórico do neoliberalismo, sobre o qual ainda vivemos) por abrir à força os mercados dos países que ainda não abraçaram na totalidade o sistema capitalista, com todas as consequências funestas que isso implica. Um dos últimos exemplos que me consigo lembrar foi o golpe de estado na Bolívia por causa da resistência do governo anti-imperialista do MAS à exploração das vastas reservas de lítio nacionais pelas multinacionais norte americanas.

Em sexto lugar, o estado moderno, por muito democrático e liberal que seja, será sempre uma ditadura da burguesia. Não uma ditadura no sentido que o Estado Novo o foi, mas sim no sentido em que o poder do estado é usado pela burguesia na sua luta de classe contra os produtores assalariados, ou seja, contra a classe operária e trabalhadora. Como disse Lenine:

“Qualquer que for a forma com que se encubra uma república, por democrática que for, se for uma república burguesa, se conservar a propriedade privada da terra, das fábricas, se o capital privado mantiver toda a sociedade na escravatura assalariada, […] o Estado será sempre uma máquina para que uns reprimam outros. E devemos pôr esta máquina em mãos da classe que terá de derrocar o poder do capital. Devemos rechaçar todos os velhos preconceitos em torno de o Estado significar a igualdade universal; pois isto é uma fraude: enquanto existir exploração, não poderá existir igualdade. O proprietário não pode ser igual ao operário nem o homem faminto igual ao saciado. A máquina, chamada Estado, diante da qual os homens se inclinavam com supersticiosa veneração, porque acreditavam no velho conto de que significa o Poder do povo todo, o proletariado rechaça e afirma: é uma mentira burguesa.

E são estes os seis pontos que acho serem das críticas mais simples de explicar contra o sistema capitalista, se bem que existem outras, nomeadamente, a questão do desemprego, que é uma exigència deste sistema, que não puderam aqui ser mencionadas por questões de brevidade.

No entanto, obviamente que qualquer pessoa que exponha estas ou as suas críticas ao sistema capitalisa irá inevitavelmente ouvir que isso apenas são problemas acessórios do capitalismo, que podem ser reformados e eliminados sem ser necessário uma revolução. Não podem! Pelo que vimos do modelo exposto do sistema capitalista e de qualquer análise séria do mundo atual, estes problemas são inerentes ao capitalismo e só podem ser combatidos seriamente e permanentemente com o fim do sistema capitalista.

E qual é a alternativa ao sistema capitalista, ao capitalismo? O comunismo, sociedade sem classes, dinheiro nem estado, sem exploração do Homem pelo Homem, em que o trabalho seja feito pelo prazer e não pela sobrevivência. Sociedade essa que será alcançada primeiro pela revolução proletária e depois pela ditadura do proletariado, pela ditadura dos produtores contra todos aqueles que os queiram arrastar de volta para a escravatura do assalariato e do sistema capitalista.

Alguns podem chamar isto de uma utopia, nós, comunistas, declaramos que isto é uma necessidade histórica. Temos portanto o dever de levar aos produtores, aos trabalhadores a rejeição do sistema capitalista, sistema que os explora, os oprime e os mata, através do uso de argumentos, como os expostos aqui, mas também atráves da luta pelos seus interesses imediatos e a longo prazo, ou seja, atráves da participação na luta de classes. Como disse Marx e Engels em 1848, no seu manifesto:

Os comunistas rejeitam dissimular as suas perspectivas e propósitos. Declaram abertamente que os seus fins só podem ser alcançados pelo derrube violento de toda a ordem social até aqui. Podem as classes dominantes tremer ante uma revolução comunista! Nela os proletários nada têm a perder a não ser as suas cadeias. Têm um mundo a ganhar.

Proletários de Todos os Países, Uni-vos!

Online Course: Art of the Russian Revolution — Pushkin House

V. da Silva