A Ditadura do Proletariado, a República Soviética e as Tarefas da Revolução

Conseguimos! O proletariado português está em marcha, o momento porque todos esperávamos chegou! O governo está sem poder, os sovietes e conselhos de trabalhadores já se organizam para arrancar com o primeiro Congresso dos Trabalhadores, os patrões que ainda não fugiram estão a ver a sua preciosa propriedade a ser expropriada pelos trabalhadores, o poder caiu nas ruas. Em suma, a revolução triunfou! 

E agora? 

Felizmente (ou infelizmente) o dia em que será imperioso responder a essa pergunta ainda não chegou. No entanto, é necessário, para propósitos de agitação, propaganda e explicação, saber e saber explicar o que nós procuramos depois da superação revolucionária do capitalismo, pois não podemos encorajar ninguém a marchar contra o sistema capitalista se não lhe apresentarmos um plano, um projeto de um futuro melhor. 

E qual é esse plano, esse projeto? A Ditadura do Proletariado, na forma da República Soviética (ou de Conselhos). 

O que é a Ditadura do Proletariado? 

“Vocês comunistas são loucos! Vocês que lutaram contra a ditadura tzarista, a ditadura de Batista, a ditadura de Franco, a ditadura de Salazar, vocês que lutaram contra tudo o que era ditadura fascista neste momento, propõem-se agora a instaurar a vossa própria ditadura?! Vocês não querem saber dos trabalhadores, do povo, apenas são uns sedentos de poder que desejam governar com mão de ferro o país e o mundo! Vocês não são em nada melhores que os fascistas! Rua, xô, fora daqui, que eu vou masé apoiar a Iniciativa Liberal!” 

Isto pode ser uma objeção comum de qualquer trabalhador ou pessoa que, sem prévio conhecimento, ouça falar da Ditadura do Proletariado. E afinal de contas, quem os pode culpar? Ditadura é uma palavra ameaçadora, e quem é que quer viver sobre um estado repressivo, autoritário, sem liberdades e direitos?  

No entanto, quando nós comunistas falamos de ditadura do proletariado, não falamos de uma ditadura no sentido comum da palavra, mas sim uma forma de organização da sociedade em que o Estado, ou melhor dizendo, os aparelhos repressivos (polícia, exército, polícia secreta,) e ideológicos (escola, comunicação social, etc.) servem os interesses do proletariado na sua luta de classes contra a burguesia e contra os reacionários. Esta ditadura é uma necessidade e uma consequência de dois fatores:  

  • Uma necessidade, pois, depois de uma revolução triunfante, em que o poder cai nas ruas, nas mãos dos pobres, dos oprimidos, dos explorados, dos trabalhadores e proletários em geral, a burguesia nacional e internacional, as restantes forças estatais e todos os reacionários ir-se-ão inevitavelmente unir contra essa revolução, com o propósito de a esmagar e restaurar os seus privilégios. Tal é uma lei de todas as revoluções, e a nossa não será exceção. Será então necessária a nossa ditadura, com os nossos aparelhos repressivos e ideológicos, para salvaguardar a nossa revolução.  
  • Uma consequência, pois, a burguesia tem também a sua ditadura, a ditadura da burguesia. Esta, mascarada da mais livre democracia, faz uso dos seus aparelhos repressivos e ideológicos para manter a burguesia e o sistema capitalista de pé, pois serve os interesses da burguesia e da classe capitalista na luta de classes. Por muito democrático que seja o nosso governo, por muitos livres que sejam os nossos órgãos de comunicação social, estarão sempre ao serviço do Capital e dos seus interesses.  

Lenine, no seu Estado e Revolução, explica esta questão melhor que eu:  

“O Estado é uma «força especial para a repressão». Esta definição admirável e 
extremamente profunda de Engels é dada por ele aqui com a mais completa clareza. E daí resulta que a «força especial para a repressão» do proletariado pela burguesia, de milhões de trabalhadores por um punhado de ricos, deve ser substituída por uma «força especial para a repressão» da burguesia pelo proletariado (a ditadura do proletariado). É nisso que consiste a «supressão do Estado como Estado». É nisso que consiste o «acto» da tomada de posse dos meios de produção em nome da sociedade.” 

Tendo aqui esclarecido o que é a Ditadura do Proletariado, temos que discutir a sua forma, que na minha opinião, não pode ser nenhuma outra a não ser a República Soviética (ou de Concelhos) 

O que é a República Soviética? 

A República Soviética é a forma mais avançada, mais democrática, mais livre que um Estado pode tomar. Por consequente, é a forma mais eficiente duma Ditadura do Proletariado. Mas o que é? 

Bem, pressuponho que o leitor saiba o significado de República, mas pode ter algumas dúvidas sobre o significado de Soviética. Soviética quer dizer “de Sovietes”. E o que é um Soviete? Bem, os sovietes foram conselhos de operários, camponeses, soldados e marinheiros e/ou dos seus delegados democraticamente eleitos durante as revoluções russas de 1905 e 1917. Esses mesmo concelhos tomaram conta da zona em que operavam e das suas indústrias. Em suma, foram as formas que a classe operária russa utilizou para tomar conta da sua própria vida, para se organizar em defesa das suas conquistas revolucionárias e para gerir a produção e distribuição em autogestão, sem o envolvimento do patronato. Eram conselhos operários, portanto. 

E estes conselhos não foram a obra de um estratega qualquer, de um Marx, de um Lenine ou de um Trotsky, mas sim o resultado inevitável da organização da classe trabalhadora em períodos revolucionários. Isto é provado pelos mil e um exemplos que temos de trabalhadores se organizarem nestes conselhos em períodos revolucionários, desde Portugal até à Alemanha, passando pela Argentina e muitos outros países. Portanto, os sovietes são a forma mais plena de organização da classe operária numa revolução, e quando vier o tempo de quebrarmos o poder do Capital aqui em Portugal, também irão aparecer. 

“E porque é que o autor usa Soviética/Soviete em vez de Conselhista/Conselhos?” Por uma razão puramente estética (prefiro mil vezes a palavra soviete a concelho) e por uma razão de continuidade histórica, pois todos os comunistas são herdeiros da Revolução de Outubro, e o mínimo que podíamos fazer para a honrar era usar a sua bela terminologia para o mais importante instrumento organizativo da classe operária, o Soviete (ou Soviet, para quem quiser mesmo levar a coisa até ao fim) em vez da velha e aborrecida palavra lusa Conselho (que mais faz lembrar a Câmara Municipal.) O leitor é livre de usar a palavra que quiser, no entanto.  

Portanto, tendo esclarecido o que é um Soviete, temos que demonstrar a sua importância perante as outras formas de organização da classe operária, nomeadamente os sindicatos e o partido. Para isto, mostrarei porque estas duas formas de organização são piores como o pilar central de uma hipotética ditadura do proletariado comparativamente aos sovietes. 

A organização social da produção e da indústria à volta dos sindicatos é uma das bandeiras dos anarcossindicalistas, grupo que durante o final do século XIX e início do século XX teve bastante influência, especialmente em Portugal. Envolveria que os sindicatos controlassem a indústria e a produção, com cada sindicato a controlar a sua área e a coordenarem-se autonomamente, sem necessidade de envolvimento de um estado (não rejeitando alguns sindicalistas a existência de um estado). No entanto, este sistema tem bastantes problemas. Os sindicatos são organismo que pertencem ao período histórico capitalista, e não poderão passar para o período histórico revolucionário. Isto deve-se à sua função como instrumentos da classe trabalhadora para negociarem aumentos de salário e de condições com o patronato. Ora, se depois da revolução o patronato deixa de existir como posição social, os sindicatos perderão o seu propósito, e terão apenas caminhos: ou se tornam numa espécie de federação de sovietes, com cada célula de fábrica ou comitê de greve a tomar o papel de um soviete, que,  no entanto terá como legado da época capitalista uma pesada burocracia que terá como interesse manter a sua posição, prejudicando os interesses dos trabalhadores; ou, e também como consequência do caminho anterior, irão eventualmente transformar-se em órgãos burocráticos de controlo da produção em vez de esse papel caber à classe trabalhadora, o que levará a uma nova espécie capitalismo de estado. De qualquer maneira, são uma alternativa pior aos sovietes. 

A predominância do Partido de Vanguarda na sociedade, na produção e na indústria é outra alternativa que deve ser rejeitada. Pela sua própria natureza, o Partido de Vanguarda é uma organização hierárquica que nunca poderá incluir em si a totalidade ou a maioria da classe operária, pois apenas inclui os membros mais avançados do proletariado e que irá, como as experiências socialistas do século XX mostram, servir como uma plataforma para burocratas e carreiristas melhorarem as suas vidas em detrimento dos trabalhadores caso tenha um domínio da atividade do estado. O próprio envolvimento excessivo do partido em assunto que a classe trabalhadora com as suas organizações autónomas, como os sovietes, é algo que tem que ser rejeitado. Por exemplo, o aumento do controlo dos comitês de fábrica, que se podia dizer que eram os “primos” dos sovietes na revolução russa, por parte do Partido Comunista Russo foi um dos catalisadores da instauração do regime capitalista de estado. Não podendo julgar esta decisão de um ponto de vista moralista, pois Lenine e os Bolcheviques, ao contrário do mito e da lenda anarquista e esquerdista, não o fizeram por querer, mas sim por necessidade (o salvaguardar do “Poder Soviético” até à revolução alemã ou europeia triunfar era a prioridade principal deles), posso acusar esta medida de ter diminuído a participação dos trabalhadores na construção do socialismo, e, portanto, não deverá ser repetida, sobre pena de condenar a nossa revolução a um capitalismo de estado e a classe operária mundial a mais tempo passado debaixo da escravatura do Capital e do Salariato.  

Portanto, a Ditadura do Proletariado, para poder abrir caminho à Revolução Socialista Mundial, ao socialismo e ao comunismo, terá que seguir o caminho da República Soviética, em que os sovietes, órgãos democráticos dos delegados dos trabalhadores e dos membros das outras classes aliadas ao proletariado, com delegados revogáveis e responsáveis diretamente ao soviete, serão a mais básica célula social. Desde organizarem o dia a dia de uma comunidade a serem o ponto de partida e de chegada de qualquer iniciativa legislativa introduzida num congresso de sovietes, órgão esse que será o mais alto órgão legislativo da República, os sovietes terão um papel fundamental na Ditadura do Proletariado. Os órgãos políticos terão que ser diretamente responsáveis aos trabalhadores, e para tal, a Ditadura do Proletariado poderá fazer uso das novas tecnologias para aumentar as ligações entre os delegados e os governantes e os sovietes. Neste sistema, o Partido de Vanguarda não terá o papel de ser o tutelador de todo este sistema, mas apenas terá que servir como um órgão de “vigilância”, garantindo que o sistema não entra nos caminhos da restauração capitalista e do capitulacionismo. Também terá o papel de tutela nos primeiros passos da Ditadura do Proletariado, enquanto as massas trabalhadoras ainda tiverem réstias de preconceitos e de ideologias burguesas.  

No entanto, este papel de tutela apenas se deverá limitar às massas mais atrasadas, não devendo o partido de cair na tentação de limitar a ação das massas mais avançadas, como por exemplo no caso dos comitês de fábricas. Este limite é bastante importante, pois dele depende se a República Soviética se tornará um apêndice do Partido e consequentemente cairá nas garras do capitalismo de estado e da burocracia, ou se a República Soviética seguirá o seu caminho de democracia e fraternidade para as mais amplas massas trabalhadoras. 

A produção na República Soviética terá que ser gerida pelos próprios trabalhadores, nos seus órgãos autónomos (comitês de fábrica e sovietes), com o planeamento a ser coordenado num órgão destinado para o efeito, que estará nas mãos dos trabalhadores e apenas nas suas mãos. O partido apenas poderá fazer recomendações sobre a produção e o planeamento, e o estado, que estará ao serviço do proletariado, apenas servirá para pôr esse plano em prática naquilo em que os sovietes e os comitês individuais não conseguirem fazer, como projetos em larga escala que exijam coordenação e rapidez. 

As próprias forças de segurança e de defesa. Em vez de organizações limitadas a uma pequena parte da população, terão que envolver todo o povo trabalhador, organizado em milícias populares de operários e trabalhadores armados com eleição democrática dos oficiais e sem diferença entre o tratamento dado a oficiais e a soldados, pois é nessa diferença que nasce o cancro do militarismo e da criação de um corpo de oficiais carreiristas, duas graves ameaças à Ditadura do Proletariado.  

A educação também terá que ser diferente, não só no programa das escolas, mas em toda a forma que elas funcionam. Estas terão que passar de um local de treino para o trabalho assalariado e para a sociedade burguesa e transformar-se numa verdadeira comunidade de indivíduos que queiram aprender e ensinar uns aos outros, em livre associação, tomando em conta, obviamente, as diferenças de idade e de conhecimento presentes. 

Muitas outras diferenças, demasiadas para serem descritas aqui, existiram entre a Ditadura do Proletariado e a Ditadura da Burguesia, entre a República Soviética e a Democracia Liberal. 

Crítica a certas conceções da ditadura do proletariado 

Em Portugal, apenas um partido de relevo defende a Ditadura do Proletariado, o Partido Comunista Português, no seu programa. No entanto, e começando logo pelo facto de confundir a Ditadura do Proletariado com o Socialismo, este programa tem, desde o início, várias falhas. É importante, portanto, criticá-las, pois não podemos agitar pela Ditadura do Proletariado se o nosso programa terá logo em si as sementes da sua própria dissolução. Para isto, vamos analisar a parte “O socialismo – Futuro de Portugal” do quarto capítulo. 

  • Em primeiro lugar, não há menção logo no início da importância do internacionalismo na revolução socialista. A ditadura do proletariado pode ser construída num país, mas o socialismo nunca. Creio eu que o estalinismo tenha sido suficiente para destruir esse mito nas cabeças dos comunistas.  
  • Em segundo lugar, na organização política de um Portugal Socialista, não há menção nenhuma a sovietes, a operários armados, expropriações ou qualquer outro componente essencial duma ditadura do proletariado. No entanto, há várias menções à maior liberdade de formação de partidos políticos, de expressão e de proteção dos direitos jurídicos. Ou por outras palavras: “burgueses, não se preocupem, no socialismo poderão formar os vossos partidos reacionários e contrarrevolucionários, poderão espalhar as vossas mentiras e boatos sem se preocuparem com retaliações!”. Não sei se posso chamar a isto de oportunismo, de revisionismo, mas sei que posso chamar a isto de uma falsificação completa do Marxismo e do Leninismo! 
  • Em terceiro lugar, na organização económica, defende-se a consideração do papel do mercado, a defesa da propriedade resultante do trabalho (palavras doces para defender a pequena produção mercantil pequeno-burguesa), e apenas uma menção de passagem da “iniciativa e directa intervenção das unidades de produção e dos trabalhadores” no planeamento. Ou seja, uma continuação do capitalismo de estado com uma NEP permanente.  

Que grande socialismo, ah? É isto que defendemos, comunistas? É este o modelo da sociedade que queremos implantar? 

As Tarefas e os Objetivos da Revolução 

 No entanto, não basta explicar que sociedade queremos criar no futuro, também temos que criar objetivos e tarefas concretos para a Revolução Proletária. Consigo trazer para a mesa alguns dessas tarefas e objetivos, sabendo bem que podem ser insuficientes e/ou errados. A elaboração da lista das tarefas e objetivos da Revolução, também conhecida como o programa político do proletariado, não cabe a um escritor, mas sim ao Partido de Vanguarda. No entanto, creio que não há mal em expôr algumas ideias gerais para que o leitor reflita e debata com os seus camaradas e conhecidos. 

Tarefas Imediatas dum Governo Revolucionário: 

  • Subida do Salário Mínimo para 900 euros; 
  • Criação de um teto salarial de 10,000 euros; 
  • Fim do IRS para os rendimentos do trabalho inferiores a 2000 euros; 
  • Imposto sobre a riqueza de 90% sobre toda a riqueza acime de 1 milhão de euros; 
  • Nacionalização Imediata de todas as empresas com capital social superior a 1 milhão de euros ou de importância estratégica, e transição para o controlo dos trabalhadores; 
  • Redução do horário de trabalho para 30 horas semanais; 
  • Aumento em 50% das pensões; 
  • Apoio à criação de comitês de fábrica e de empresa e a órgãos regionais e nacionais de cooperação, coordenação e planeamento da produção e distribuição; 
  • Nacionalização de toda a propriedade imobiliária, inclusive prédios rústicos com imediata transição para a posse dos inquilinos. Compensação a todos aqueles que estejam abaixo de um certo limiar de rendimentos/acima de uma certa idade; 
  • Obras de restauração em todas as propriedades devolutas nacionalizadas, para futura doação a cooperativas de habitação; 
  • Imediata nacionalização de todos os hospitais privados; 
  • Legalização imediata de todos os imigrantes ilegais: 
  • Reforma Agrária, com especial atenção nas propriedades do Alentejo trabalhadas por imigrantes; 
  • Apoio à criação de sovietes e de todo o tipo de coletivos revolucionários; 
  • Convocação de uma Assembleia Revolucionária; 
  • Fim dos exames nacionais; 
  • Fim da GNR e da PSP, criação de uma força de milícia para manter a segurança pública; 
  • Democratização do exército, fim dos privilégios para oficiais, eleição de oficiais, envio de comissários políticos para todos as unidades; 
  • Saída imediata da NATO e do FMI; 
  • Expulsão imediata de todas as tropas estrangeiras de Portugal; 
  • Cancelamento total da dívida externa portuguesa; 
  • Convocação de uma nova Internacional Comunista; 

Objetivos da Revolução: 

  • Eletrificação de toda a economia e toda a atividade produtiva; 
  • Fim do trabalho assalariado, redução do horário de trabalho para 10 horas semanais; 
  • Automatização da atividade produtiva; 
  • Distribuição gratuita, segundo as necessidades, de todo os bens e serviços de primeira necessidade; 
  • Des-urbanização; 
  • Descarbonização; 
  • Redução do uso dos automóveis; 
  • Comunização da atividade produtiva; 
  • Criação de um programa espacial; 
  • Revolução Artística, Cultural, Social, Sexual, Educacional; 
  • A Revolução Socialista Mundial; 
    • O COMUNISMO; 

Conclusão

Camaradas, a nossa luta é uma luta difícil. Lutamos pelo comunismo, uma sociedade que muitos descrevem como utópica. Mas ao contrário dos utópicos de tempos passados, nós comunistas, que herdamos uma doutrina e uma linha de pensamento amadurecida, sabemos como lá chegar. Sabemos que será o caminho mais árduo que a humanidade terá que passar, mas sabemos que iremos lá chegar. 

E para começar esse caminho, para dar o primeiro passo na construção revolucionária do comunismo, há que convocar as massas para a batalha final, para uma batalha que será mais que a luta constante de classes contra o patronato que elas combatem diariamente, mas uma luta para destruir completamente a sociedade burguesa. E para essa convocatória, é necessária uma palavra de ordem. Das mil que podem ser imaginadas, aquela que eu considero a melhor, aquela que mais me diz algo, e aquela que irei por em primeiro lugar, pois creio que não existe uma melhor, é esta: 

вся власть Советам! 

TODO O PODER AOS SOVIETES!

V. da Silva

Porquê rejeitar o Capitalismo?

Se somos comunistas, e portanto, anti-capitalistas, temos que ter boas razões para rejeitar o sistema económico vigente e ter a capacidade para convencer, de forma simples mas cogente, aqueles que ainda não o rejeitaram. Este artigo procura exatamente isso.

Nota: este artigo não é a opinião final do Jornal Bandeira Vermelha, mas apenas a opinião de um dos seus editores. Toda a responsabilidade cabe apenas a ele. Qualquer duvida ou crítica ao que for exposto neste artigo será bem vinda.

Capitalismo - Wikiquote

Como funciona o sistema capitalista? Bem, uma grande parte da população mundial, os produtores assalariados, interagem com a natureza e com os meios de produção para produzirem bens e serviços, em troca de um salário. Esses bens e serviços são depois apropriados diretamente ou indiretamente pelas empresas dos trabalhadores, ou melhor dizendo, pelos capitalistas, gestores, adminsitradores, concelhos de administração e outros orgãos administrativos dessas empresas, que depois os vendem no mercado. Dessa venda recebem dinheiro, que é usado para pagar salários, custos de produção, os seus próprios vencimentos e prêmios, impostos, para investir no mercado financeiro e em formação de capital, para pagar os salários de trabalhadores não produtivos (como advogados, pessoal de marketing, etc etc.) e para outras despesas que não importa aqui mencionar.

Com os rendimentos que recebem dos seus salários, os produtores compram os bens e serviços no mercado para continuarem a viver e a poderem ir trabalhar. Os gestores fazem a mesma coisa, se bem que, com os seus rendimentos maiores, podem se também dedicar a uma vida de luxo e prazer, algo impensável para muitos dos assalariados. O mercado financeiro funciona como credor e depósito dos rendimentos de toda a sociedade, o Estado serve como o defensor do sistema capitalista e da paz social (atravês de meios repressivos, como a polícia e o exército, e meios mais benéficos, como subsídios, o sistema educativo e programas de ajuda social), e os trabalhadores não produtivos servem também para manter o sistema capitalista atravês da sua ação, como é o caso de advogados ou do pessoal de marketing.

Temos aqui, muito resumidamente, o que acho que é o sistema capitalista moderno nos seus compontentes mais essenciais. Para ajudar quem não tenha compreendido, aqui fica um desenho:

Compreendido? Aqueles com uma maior compreensão do sistema poderão estar a praguejar perante esta explicação, mas peço que sigam a minha linha de pensamento.

Sendo que é assim que o sistema capitalista funciona, os comunistas e anti-capitalistas podem ser tentados a criticar o capitalismo pela maldade dos seus intervenitentes, nomeadamente os capitalistas e os gestores, pelo facto de serem gananciosos e de portanto enganarem os trabalhadores. No entanto, esta crítica é ínutil, pois arrasta-nos para um debate prolongado sobre a moralidade e sobre se na verdade os capitalistas são bons ou mãos.

A nossa crítica não se devia basear na moralidade dos agentes no sistema capitalista, mas sim nos aspetos alienadores, destruidores e suicidas que o sistema implica, pois estes são irrefutáveis. É esses aspectos que eu vou falar sobre no resto do artigo.

Em primeiro lugar, temos que falar sobre a insustentabilidade do proprio sistema capitalista em relação ao planeta em que ele reside. Como demonstrado anterior, a unica forma de as empresas fazerem um lucro é empregarem trabalhadores para entrarem “em contacto” com a natureza e transformar os seus recursos em mercadorias e serviços. E é uma das exigências fundamentais do sistema capitalista que as empresas aumentem constantemente os seus lucros, pois caso contrário, não serão capaz de sobreviver no mercado (mais sobre isso depois). Então, conclui-se que é necessário “arrancar” cada vez mais recuros do planeta para sustentar o sistema capitalista. No entanto, isto é claramente impossível! Um planeta com recursos finitos não pode sustentar um crescimento infinito! O crescimento pelo próprio crescimento, um dos axiomas sobre o qual o sistema capitalista funciona, é a ideologia das células cangerígenas! Espero não ser necessário para o leitor que eu lhe aponte as consequências deste aspeto do capitalismo, basta observar a emergência climática que se aproxíma, a destruição dos solos ferteís e o cada vez mais próximo fim das reservas de petróleo mundiais.

Uma plantação de óleo de palma na Indonésia, no que antes era floresta virgem

Em segundo lugar, a própria forma em que os recursos naturais são transformados em produtos pelos trabalhadores com recurso aos meios de produção, o trabalho, é uma realidade profundamente alieanante, onde uma pessoa tem que trabalhar por 30, 40, 50 ou horas por semana, não por amor ao que faz, não por se identificar com o produto final (pois para o “trabalhador comum” não especializado tanto importa se faz lápis, rótulos ou trabalha numa caixa de supermercado), mas porque precisa de pagar as contas para sobreviver, porque precisa de viver (sugestão: ler o manifesto contra o trabalho do grupo exit http://www.obeco-online.org/manifest.htm). Isto sem tocar na questão da mais valia, em que o valor produzido pelos produtores é apropriado pelos capitalistas e/ou gestores, ou seja, do valor que eles adicionam a uma mercadoria ou bem vendida no mercado, os produtores apenas recebem parte, com o restante a servir como lucro dos capitalistas e das empresas.

Em terceiro lugar, as empresas modernas, entidades altamente hierárquicas onde os trabalhadores são tratados como qualquer outra ferramenta, apenas capaz de aumentar os lucros na spreadsheet do final do ano, tem como único objetivo o aumento dos seus lucros, que tem que aumentar, não olhando a meios. Se necessário for cortar benefícios aos trabalhadores, assim seja. Se for necessário mudar as fábricas para países onde a mão de obra seja quase escrava, assim seja! Normalmente, o que acontece é que as empresas, através de um meio de progresso tecnológico, diminuição de custos de produção, campanhas publicitárias, compra/absorvação de rivais, e diminuição temporária de preços para conquistar mercados, aumentam a curto prazo os seus lucros, levando os seus competitores à falência, nomeadamente as pequenas empresas familiares. Basta ver o que acontece às mercearias de bairro quando chega uma cadeia de supermercado à sua área de operações. Desaparecem!

Em quarto lugar, com o progresso do sistema capitalista, o mercado financeiro aumenta cada vez mais a sua importância. Bncos, crédito e débito, ações, bolsa de valores, obrigações, ferramentas financeiras, etc etc tornam-se, para os poderes dominantes, sinónimos de riqueza, progresso e crescimento económico. Mas quando a produção de riqueza duma economia se torna o produto de um autêntico casino, é inevitável que vá dar porcaria. As cada vez mais cíclicas crises do capitalismo, que tem muitos outros fatores, demasiados para serem aqui todos enumerados, levam à miséria generalizada da sociedade, com todas as consequências que nós sofremos aquando da crise de 2008-2011 e que vamos sofrer com a pandemia mundial. E mesmo em períodos de riqueza, prosperidade ou até de recuperação, o estilo de vida de muitos trabalhadores e o crescimento de muitas empresas é baseado num crescente endividamento, num sistema claramente insustentável.

Um grande crash das bolsas pior que 2008 vem aí
Quem já se esqueceu do crash de 2008? É que vem ai outro pior…

Em quinto lugar, tal como a produção de bens para sustentar o sistema capitalista tem que recorrer a um uso cada vez maior de recursos do planeta, as empresas e os capitalistas tem que aumentar cada vez mais os seus mercados, a mão de obra disponível e os recursos que podem extrair, se necessário for, à força. Isto leva inevitavelmente ao imperialismo, em que na procura incessante de aumentar lucros, as potências mundias lutam abertamente (como durante o século dezanove e a 1a Guerra Mundial) ou atravês de meios mais secretos (como durante a guerra fria e o período histórico do neoliberalismo, sobre o qual ainda vivemos) por abrir à força os mercados dos países que ainda não abraçaram na totalidade o sistema capitalista, com todas as consequências funestas que isso implica. Um dos últimos exemplos que me consigo lembrar foi o golpe de estado na Bolívia por causa da resistência do governo anti-imperialista do MAS à exploração das vastas reservas de lítio nacionais pelas multinacionais norte americanas.

Em sexto lugar, o estado moderno, por muito democrático e liberal que seja, será sempre uma ditadura da burguesia. Não uma ditadura no sentido que o Estado Novo o foi, mas sim no sentido em que o poder do estado é usado pela burguesia na sua luta de classe contra os produtores assalariados, ou seja, contra a classe operária e trabalhadora. Como disse Lenine:

“Qualquer que for a forma com que se encubra uma república, por democrática que for, se for uma república burguesa, se conservar a propriedade privada da terra, das fábricas, se o capital privado mantiver toda a sociedade na escravatura assalariada, […] o Estado será sempre uma máquina para que uns reprimam outros. E devemos pôr esta máquina em mãos da classe que terá de derrocar o poder do capital. Devemos rechaçar todos os velhos preconceitos em torno de o Estado significar a igualdade universal; pois isto é uma fraude: enquanto existir exploração, não poderá existir igualdade. O proprietário não pode ser igual ao operário nem o homem faminto igual ao saciado. A máquina, chamada Estado, diante da qual os homens se inclinavam com supersticiosa veneração, porque acreditavam no velho conto de que significa o Poder do povo todo, o proletariado rechaça e afirma: é uma mentira burguesa.

E são estes os seis pontos que acho serem das críticas mais simples de explicar contra o sistema capitalista, se bem que existem outras, nomeadamente, a questão do desemprego, que é uma exigència deste sistema, que não puderam aqui ser mencionadas por questões de brevidade.

No entanto, obviamente que qualquer pessoa que exponha estas ou as suas críticas ao sistema capitalisa irá inevitavelmente ouvir que isso apenas são problemas acessórios do capitalismo, que podem ser reformados e eliminados sem ser necessário uma revolução. Não podem! Pelo que vimos do modelo exposto do sistema capitalista e de qualquer análise séria do mundo atual, estes problemas são inerentes ao capitalismo e só podem ser combatidos seriamente e permanentemente com o fim do sistema capitalista.

E qual é a alternativa ao sistema capitalista, ao capitalismo? O comunismo, sociedade sem classes, dinheiro nem estado, sem exploração do Homem pelo Homem, em que o trabalho seja feito pelo prazer e não pela sobrevivência. Sociedade essa que será alcançada primeiro pela revolução proletária e depois pela ditadura do proletariado, pela ditadura dos produtores contra todos aqueles que os queiram arrastar de volta para a escravatura do assalariato e do sistema capitalista.

Alguns podem chamar isto de uma utopia, nós, comunistas, declaramos que isto é uma necessidade histórica. Temos portanto o dever de levar aos produtores, aos trabalhadores a rejeição do sistema capitalista, sistema que os explora, os oprime e os mata, através do uso de argumentos, como os expostos aqui, mas também atráves da luta pelos seus interesses imediatos e a longo prazo, ou seja, atráves da participação na luta de classes. Como disse Marx e Engels em 1848, no seu manifesto:

Os comunistas rejeitam dissimular as suas perspectivas e propósitos. Declaram abertamente que os seus fins só podem ser alcançados pelo derrube violento de toda a ordem social até aqui. Podem as classes dominantes tremer ante uma revolução comunista! Nela os proletários nada têm a perder a não ser as suas cadeias. Têm um mundo a ganhar.

Proletários de Todos os Países, Uni-vos!

Online Course: Art of the Russian Revolution — Pushkin House

V. da Silva

Reconhecimento do genocídio arménio: Honestidade ou hipocrisia?

Autoria: Miguel Silva

Na semana passada assistimos ao reconhecimento por parte do presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, campeão da promoção de ditaduras genocidas pelo mundo inteiro, do genocídio arménio por parte do império otomano no ano de 1915.
Não pondo em causa a existência do genocídio arménio, que existiu e foi provado por historiadores e sentido pelo povo arménio, mas por em causa sim o motivo e o momento deste reconhecimento.
Será que este reconhecimento é motivado por a Turquia estar a desenvolver-se de forma robusta? Será por a Turquia ter abandonado a convenção contra a violência sobre a mulher? Ou será porque a Turquia tem relações com a Rússia sendo um membro basilar da NATO? Porque se formos a analisar as mãos manchadas de sangue, tanto a Turquia como os Estados Unidos da América têm as mãos cheias dele. Vejamos alguns exemplos dos crimes do Estados Unidos da América.
Os Estados Unidos da América tiveram durante largos anos o seu sistema económico assente no trabalho escravo, que custou a vida a milhares de homens, mulheres e crianças africanas, isso não é um genocídio? A guerra civil americana, onde morreram mais de 100 000 americanos não é um genocídio do próprio povo americano? A conquista do oeste tão glorificado no cinema não foi um genocídio?
Os bombardeamentos atómicos no Japão, a guerra da Coreia, o agente laranja no Vietname, o bloqueio a Cuba, os 10 milhões de iraquianos que foram mortos nas intervenções imperialistas com bases em mentiras no Iraque.
Todos estes fenómenos históricos foram condenados na ONU, pelo povos dos países, mas não foram considerados genocídio, por serem feitos pelos Estados Unidos da América, donos da ONU e da comunicação social internacional.
É uma grande hipocrisia os Estados Unidos da América, criticarem os outros países tendo tantas culpa no cartório.

A contestação e a realidade de Abril

Autoria: Pedro Cruz

É possível que este 25 de abril seja o mais contestado. Os dois lados do espetro
político celebram a data, embora, obviamente, um lado celebre mais que o
outro. No entanto surgiram, não sendo notícia nova para
ninguém, nestes últimos 5 anos, novas forças que não só são contra
a celebração da data, como reduzem, ou pior, negam a sua importância, tanto
a nível histórico como político.
Há um enorme problema com esta atitude negacionista.
Primeiramente, indispensável será apontar que o 25 de abril de 1974 foi o dia
que iniciou uma longa transição de um regime autoritário e repressivo, tanto
nos tempos de Salazar como Caetano, para uma democracia, para um regime
do povo para o povo, onde o próprio comanda o seu próprio caminho. Onde
assenta o problema? No facto destas forças políticas desvalorizarem os
valores que esta data carrega, para benefício próprio. Vemos isto
quando, por exemplo, a Iniciativa Liberal e o CHEGA, partidos com
representação parlamentar atacam: afirmando que “Só em Novembro se
cumpriu Abril”. No caso destes dois partidos, referindo-se ao 25 de Novembro,
data marcada pelo impedimento do progresso da Revolução por parte das
forças da direita. As mesmas, atualmente, retiram também a carga ideológica
da Revolução de Abril, indiretamente implicando que não foi por parte da
esquerda que se levou em frente o processo revolucionário e substituindo
os seus valores de esquerda revolucionária com palavras vazias como
“Liberdade” que, ironicamente, é uma das imensas palavras que os
revolucionários levavam para as manifestações. Esta palavra de ordem
fazia sentido usar num contexto em que os trabalhores lutavam no dia a dia com a natureza exploradora do capital.
Levanta-se agora a questão que insiste em perdurar: por que razão são estas
alas políticas contra o 25 de abril? Duas respostas surgem, sendo que
‘razões ideológicas’ é uma delas, mas no fundo é tudo para os motivos referidos anteriormente: para ‘benefício próprio’. Utilizando vários métodos para chegar a este fim: não é incomum, de todo, reparar que estes são os primeiros
a aproveitarem-se das pessoas mais descontentes com o desenrolar destes
últimos governos, tecnicamente de centro-direita, infames por estarem cheios de escândalos, muitas promessas e poucas conquistas e, que, em tempos de
austeridade, pioraram a vida a milhões de portugueses sem necessidade, aproveitando o descontentamento com discursos populistas e
vagos, com as mesmas promessas, mas de cariz diferente, em vez de recorrer
ao uso de informação correta, aumentando assim alienação destas pessoas e distanciando-as da resolução dos seus problemas. Ataques a partidos e movimentos, em geral, de esquerda, pelas suas decisões no parlamento sendo que na grande maioria das vezes, senão sempre, os ataques
são feitos não tendo em conta as justificações que estes deram. A propaganda, tão populista como o discurso, que acaba
por não só levar o indivíduo e, consequentemente, um coletivo enorme de
pessoas a uma maior alienação, como acaba por ser, por falta de uma
expressão melhor, entediante e aborrecido. Faço então
uma pergunta aos tais defensores da liberdade: depois de tudo o que foi
apontado, ainda julgam que merecem estar no lugar de quem luta por todos,
todos os dias, e não por alguns quando é conveniente?
Pondo fim a esta questão, acredito que devo deixar um recado, tanto para
camaradas como opositores, e também para pessoas em geral: o 25 de abril e as suas
respetivas conquistas foram o resultado de um enorme trabalho e lutas duras de
revolucionários da esquerda. A direita não esteve presente, e, durante os
anos de 1974 e 1976, apenas a esquerda lutou, não para benefício próprio,
mas para o povo desde as nacionalizações do setores-chave da economia,
aos os impedimentos de golpes contrarrevolucionários, que a direita
mais conservadora tomou responsabilidade, esta que tanto trabalhou para atrasar
o processo revolucionário. E se existem culpados para os problemas
socioeconómicos, só temos a
direita para culpar tal, pois foi ela que travou o caminho para o socialismo,
foi ela que anulou a irreversibilidade das nacionalizações, foi ela que levou à
chegada da austeridade. Foi a direita que travou tudo aquilo que seria benéfico
para o povo português.
Mas os valores de Abril mantêm-se. A cada novo dia, a cada derrota ficam cada
vez mais fortes. Todos os dias lutamos para cumprir Abril, tentando anular os
erros cometidos por quem põe lucros acima da vida. É uma luta do povo para o
povo, da qual apenas o povo pode, deve e irá ganhar.
Viva o 25 de abril!

Biden e o salário mínimo de 15 dólares

Durante a sua campanha para as eleições presidências nos E.U.A, Joe Biden referiu, de forma reiterada, a sua intenção de aumentar o salário mínimo federal, de 7,29$ por hora, o qual não é alterado desde 2009, tendo desde então o PIB per capita crescido 11.1%, para 15$ por hora, através de legislação que previa o aumento do salário mínimo faseado anualmente até este valor ser atingido, em 2025.

Esta proposta foi excluída durante a semana passada da votação do projeto de lei de alívio da COVID-19 de 1.9 triliões de dólares americanos, devido à oposição dos senadores republicanos, que consideram que um salário mínimo de 15$ hora prejudicaria os pequenos negócios norte americanos, e de dois senadores democratas.

Apesar do seu primeiro insucesso, parte da população dos estados unidos continuará a lutar por um salário mínimo nacional mais justo, enquanto a restante parte continuará a achar o aumento prejudicial e, assim sendo, o debate quanto ao valor justo para o salário mínimo continuará durante, pelo menos, mais uns meses, senão anos.

Sendo este um debate complexo, com prós e contras de ambas as partes, existem algumas conclusões que podem ser tiradas através da análise económica dos EUA nos últimos anos. Para que esta análise seja mais simples, vamos comparar o contexto económico no ano de 1960 com o de 2019, devido à semelhança entre o salário mínimo federal real que ambos apresentam.

Em 1960, o produto real da economia americana por habitante era de 18.036$ e em 2019 era de 55.573.1$, a preços constantes de 2010, o que significa que durante este período o produto real por habitante da economia dos Estados Unidos mais do que triplicou (aproximadamente 3.092 vezes maior). No entanto, o mesmo não pode ser dito acerca do salário mínimo federal, que em 1960 correspondia a 8,48$ hora e em 2019 correspondia a 7,13$, o que significa que, apesar de a economia ter crescido bastante, os trabalhadores que recebiam o salário mínimo viram o seu poder de compra reduzido, tendo em 2019 capacidade de adquirir uma menor quantidade de bens e serviços com o seu salário em relação a 1960.

Se o salário mínimo tivesse acompanhado o crescimento real da economia, em 2019 teria de ser aproximadamente de 26$ por hora e, apesar do número de trabalhadores ter diminuído bastante neste período de tempo, em 2019 ainda 1,6 milhões de trabalhadores recebiam o valor do salário mínimo, ou menos, sendo ainda um número bastante expressivo.

 Para além disso, o aumento do salário mínimo não só é benéfico para quem o aufere, mas também para toda a classe trabalhadora que, face a um aumento do salário mínimo, possui maior poder negocial junto dos seus empregadores para aumentarem também o seu rendimento.

Por fim, um aumento do salário mínimo também impacta positivamente toda a economia, uma vez que a propensão ao consumo, isto é, a porção do rendimento que se destina ao consumo, caso haja um aumento de rendimento, é maior nas camadas de menores rendimentos do que nas de maior, que já satisfazem grande parte das suas necessidades e que, por esse motivo, acumulam a sua riqueza sobre a forma de poupança, o que, apesar de importante, não fomenta o crescimendo da economia na mesma proporção que o consumo, pelo que toda a economia seria estimulada caso esta proposta fosse implementada.

Deste modo, é possível concluir que, apesar de bem-intencionado, o aumento proposto por grande parte dos democratas e pela administração Biden é insuficiente no combate à desigualdade salarial nos EUA e no ajuste do poder económico da classe trabalhadora ao crescimento da economia, pelo que, após a sua realização, caso se verifique, devem continuar a ser feitos esforços maiores nesta direção.

Fontes:

https://stats.oecd.org/Index.aspx?DataSetCode=PDB_GR

S. Silveira

100 anos por uma terra sem amos

Primeiro convém dizer que este jornal não é partidário. Não que houvessem algum problema em sê-lo, mas nós que o fazemos, quisemos dar-lhe a hipótese de ser uma voz de várias expressões do socialismo científico, para desta forma conseguirmos ter opiniões, teses e dissertações mais variadas.

Mas não poderia me abster de assinalar o centenário do Partido Comunista Português.

Em particular, queria que esse assinalar não alienasse quem não se identifica com o Partido, e que também não repetisse o que gente melhor do que eu saberá dizer.

Portanto gostaria de – através do exemplo do PCP – analisar duas características que penso que são e serão fundamentais para nós, comunistas e socialistas, do presente e do futuro. Sem que esta análise passe pelas elaborações históricas que são dignas de mais atenção.

  1. A Resistência

O PCP vê-se fundado em 1921, há cem anos, portanto. Os comunistas vêem-se perseguidos politicamente por uma burguesia fraturada , como já o tinham sido nos movimentos sindicais. Em 1926 dá-se o Golpe Militar e instaura-se a Ditadura Militar. No mesmo ano começa a Censura que só acabaria em 1974. Em 1927 o descontentamento popular com o regime é tão grande que há várias ameaças de revolução. Como medida de prevenção a ditadura fecha os Centros de Trabalho do PCP em 1927, meses antes de abolir também a Confederação Geral do Trabalho.

Tem-se institucionalizado o combate ao Partido Comunista e às organizações de trabalhadores.

Com a Ditadura Nacional a começar em eleições fraudelentas em 1928 a perseguição ao marxismo caminha para o seu lado mais negro da História portuguesa: o Estado Novo, começado em ’33.

Segue-se uma Guerra Mundial (1939-1945) e a pobreza que veio dela. Salazar por cá repete as perseguições dos seus aliados: o marxismo é proibido e propagandeado como satanismo, as sedes são destruídas, os livros queimados, os comunistas perseguidos pela polícia política e espancados, torturados das formas mais vis e assassinados sem pudor.

São 47 anos na clandestinidade em que a perseguição anti-comunista atinge níveis mais chocantes dos que atrevo a descrever em tão curto texto. O primeiro Comité Central eleito em Liberdade tinha um total combinado de 308 anos de prisão. Muitos e muitas camaradas nunca delas chegaram a sair.

Vem a contra-revolução de 25 de Novembro de 1975, que desviou Portugal do caminho popular rumo ao socialismo. Vem o cavaquismo apoiado no neo-liberalismo de Tatcher e Reagan. A União Soviética – bastião do socialismo – implode por obra dos traidores e corruptos ao serviço do Capital que viram na sua queda milhões em lucros. Vem a União Europeia. O Euro. O reaparecimento de políticas reacionárias que traz consigo o novo fascismo.

A nível nacional e internacional, estes cem anos foram anos de resistência. Resistência de um ideal, de um partido e dos seus membros. Resistência contra todo o tipo de ataques e insultos. Resistência ao fascismo clássico e moderno. Resistência ao anti-comunismo sempre institucional, mesmo na Democracia ajudada a fundar pelo PCP. Resistência a todo o tipo de dificuldades que se põem a qualquer instituição com 100 anos.

É preciso notar aqui que existe mais do que só um ideal a que alguém se agarra para lutar por um Mundo melhor. Isso seria olhar para a História de uma forma idealista e inexata.

Materialmente, a classe trabalhadora tem apenas duas opções: Socialismo ou Barbárie. A resistência comunista não apenas a resistência de uma ideia, é a praxis de quem sabe que não existe outra alternativa senão lutar. A classe trabalhadora tem contra si todos dos mais fortes inimigos da Humanidade. As suas armas são imensas, a sua capacidade de reprimir, mentir e branquear é colossal.

Contra isto tudo, ser comunista é resistir, adaptando, aprendendo, desenvolvendo democrática e criativamente o melhor rumo por onde levar a classe até à sua libertação final.

2. A Organização

A organização tornou-se quase sinónimo do leninismo bem praticado, mas é sempre bom pensar nela por um pouco.

A verdade material da luta de classes faz-nos perceber: de facto nascemos num grupo que está em guerra pela sua emancipação. Uma guerra, que, como foi acima dito, é travada contra os mais nefastos e poderosos inimigos deste planeta. Esta guerra não fomos nós que a começámos, mas não trava-la seria regenerarmos-nos à nossa própria exploração.

Há quem acredite que guerras se ganham com amor. Bem, Che Guevara bem que disse que um revolucionário era guiado por imensos sentimentos de amor. Mas não foi com amor que ele fez a Revolução. Não, uma guerra ganha-se, sobretudo, com a organização: a capacidade de recrutamento, formação, propaganda, estratégia, logística, tática e ordem.

No caso do PCP temos um partido que soube construir-se e reconstruir-se várias vezes, readaptando-se às circunstâncias, pensando coletivamente a estratégia, formando comunistas que serão vanguarda revolucionária. Temos um partido que sempre que foi afetado por algo externo soube olhar para si e prontamente continuar a seguir caminho.

Foi capaz de na ditadura ter continuado na clandestinidade arrematante com sedes, com funcionários, com jornais nacionais (e espante-se até nas prisões fascistas havia publicações!), juventude, trabalho sindical, edição de livros proibidos. Orquestrou fugas de prisões, ataques ao regime e à Guerra Colonial, entre centenas de outras sementes do cravo que é Abril.

Hoje em dia, continua impressionante a nível de organização, de estrutura, de infraestrutura, de capacidade construtiva e criativa, popular, cultural e política em quase todas as vertentes da vida.

É verdade que é hoje maior e mais sólido, mas os princípios continuam os mesmos e penso que seja algo para todos os ativistas e militantes de todos os ramos do movimento social e político refletirem: um coletivo existe na sua organização militante e na sua estrutura democrática.

Concluo apenas dando mais uma vez os parabéns ao Partido Comunista Português, à sua Juventude e todos os seus militantes que lutam há 100 anos por uma Terra sem amos.

Rodrigo A. Silva

Fascismo: O que é e como combatê-lo


Escrito por Pedro Cruz. Contribuições de Gonçalo Mondim, Rodrigo Maria e Luís Duarte

Prefácio

Cresce, neste momento, em Portugal e pelo mundo inteiro, o medo do retorno
do fascismo. Num país cuja Constituição defende a soberania popular estão presentes, agora mais que nunca, as forças do maior mal que a humanidade já viu.
As questões a serem levantadas são inúmeras, relacionadas ao crescimento das forças fascistas, constituídas e apoiadas por conservadores, nacionalistas e apoiantes da direita em geral, com a sua explicação devida.

Fascismo é uma ideologia política que contém vários detalhes, mas que não
necessita deles todos para ser fascismo. Tendo em conta que não existe uma
única conceção de fascismo (pois há detalhes, por exemplo, que mudam do
fascismo italiano do alemão), pode ser complicado para alguns definir fascismo.
Daí ser essencial ter em mente as mais básicas características do fascismo, que
são as que se seguem:


I
O que é o fascismo?

  • Ultranacionalismo
  • Unificação contra um inimigo comum
  • Militarismo
  • Inexistência de liberdade de expressão/Censura
  • Discurso populista
  • Importância na luta contra o crime
  • Legitimidade da violência e da ação direta
  • Sexismo
  • Racismo
  • Anticomunismo
  • Social Darwinismo

II
Porque é que o fascismo está de volta?

Na realidade, bem lá no fundo, o fascismo nunca desapareceu. Com o fim da 2ª guerra mundial, e consigo a humilhante derrota dos fascistas italianos e alemães, o mundo pensou que a ideologia e seus apoiantes tinham sido acabados de vez. Não foi o caso. Muitos deles, especialmente os nazis de topo, foram colocados em lugares de grande estatuto. Um ótimo exemplo é o de Von Braun, engenheiro Nazi que após a 2ª Guerra Mundial fez parte da NASA e ajudou a levar o Apollo 11 à lua.
Mas obviamente que os casos vão ser diferentes. No segundo pós-guerra o
fascismo ainda marcou a sua presença em vários países, como Augusto Pinochet no Chile e Fulgencio Baptista em Cuba. Muitos deles apoiados pelos Estados Unidos. Como os fascistas sabiam que não podiam jogar pelas mesmas estratégias, tiveram de abrandar o passo e mudar de planos. Muitos deles foram mudando de imagens, fazendo-se passar por apenas conservadores moderados.
Hoje em dia também se podem fazer passar por liberais envergonhados, mas a tendência não vai para esse lado.

III
Porque é que tantos apoiam os fascistas e quem os apoia?

Os novos fascistas, até à última gota, nunca se identificarão como tais. Diga-se que muitos destes fascistas mostram-se noutras facetas, como dito no 1º ponto. A grande maioria destes dão-se por moderados de direita, de modo a atenuar a sua imagem e ideologia. Os fascistas são os maestros na manipulação: Nunca irão
admitir a sua verdadeira intenção, mascarando-se, usando métodos baratos como o populismo para apelar ao povo. Os fascistas irão, na grande maioria das vezes, dizer que são a única opção de levar o país no rumo certo. Irão culpar um certo grupo de pessoas ou mais para os ‘maiores’ problemas do país, tendo em
conta os seus critérios e a sua agenda, e não a gravidade das questões. São
contra o sistema e daí apelam ao voto daqueles que também são ‘anti-sistema’, embora que, no fundo, os fascistas não mudam o sistema, simplesmente
tornam-no mais forte.

IV
Existe uma relação entre fascismo e capitalismo?

Sim. Embora a primeira seja uma ideologia e a última o sistema económico
que domine o mundo atualmente, um leva ao outro. Tomemos por exemplo as
revoluções europeias de 1848/49, conhecida como a Primavera dos Povos. Nos anos anteriores, as condições para o trabalhador tinham piorado
progressivamente, que eventualmente levaram a revoluções que ocorreram na
França, estados alemães e na Monarquia de Habsburgo. Todavia estas foram fortemente sufocadas pelos altos membros dos respetivos estados.
Um século depois, após uma pandemia e um crash mundial, havia um crescimento de apoio pelo socialismo/comunismo por todo o mundo, desde a
Europa até às Américas. Pela ideia de que, com uma virada à esquerda, as
condições de vida das populações iriam melhorar pouco a pouco. E a Alemanha
não foi exceção. Mas como se sabe, foram os Nazis que acabaram por chegar ao poder, reprimindo as forças da esquerda (com medo que os comunistas vencessem, uma possibilidade com o apoio da URSS pelos mesmo na Alemanha
e pelo mundo) e atacando um grupo étnico pelos problemas maiores. Vem-se a saber que os mais ricos e os capitalistas alemães, como os Krupp, apoiavam o partido Nazi, pois sabiam que com eles poderiam manter os seus negócios e continuar a lucrar.
Nos dois casos, há uma conclusão a tirar: com o medo de que as pessoas se
revoltem com o status quo, as pessoas nos lugares de topo farão tudo para
preservarem a sua riqueza e o seu lugar no poder. Mesmo que isso leve à
supressão máxima à vida humana.

V
Aonde se encontram as forças fascistas e o que se pode fazer quanto ao
crescimento do fascismo em Portugal?

O maior bastão do fascismo em Portugal é um deputado presente na
Assembleia da República que em si segura vários bastões no país. E há várias ações que você e os todos os opositores ao fascismo podem fazer. Tem que se entender que, de facto, André Ventura do partido CHEGA é o farol mais alto.
Mas obviamente que a situação é de muita maior complexidade. Existem outros problemas como o crescimento da extrema-direita nas forças policiais, a existência de partidos como o CHEGA e o PNR, a normalização de ideias ‘mais
que radicais’, o ‘whataboutism’, as desculpas como “agora somos fascistas
porque isto e aquilo’, etc. A lista é demasiado longa para incluir tudo num
pequeno texto. Para resumir algumas atitudes básicas que serão mencionadas de seguida, o
lema será sempre este: em nenhuma circunstância, independente da situação, deve-se dar espaço ao fascismo de se impor. Dá-se lugar aos porcos e eles agradecem.
É o dever de qualquer um de impedir que informação falsa ou propaganda se
espalhe. Eles alimentam-se do caos de situações de confusão, pois ganham
atenção e mais uns apoiantes para o seu lado. Passe nas redes sociais, ou um
familiar a falar sobre algo relacionado com fascistas, cabe a nós explicar que está errado e porquê.
Juntar-se à união antifascista do seu local de residência ou organizar uma caso não exista é vital não só para tornar o grupo mais forte, como para estar ainda mais envolvido. Quantos mais juntos, mais dificilmente os fascistas conseguem se organizar. Organizar protestos, receções a encontros de fascistas e consciencializar nas redes sociais, especialmente em grupos com possível infiltração fascista são algumas das atitudes mais vitais a tomar.
Por fim, tomar em conta que não são apenas os fascistas o problema, como
aqueles que simpatizam com os mesmos. Independentemente das ideias, qualquer indivíduo que se encontre a concordar ou a normalizar o seu discurso está no mesmo patamar de crítica que os fascistas.

Conclusão
O medo não se pode sobrepor às nossas intuições. Por mais que pareçam fortes,
eles caem como se não fosse nada se todos nós fizermos algo para contribuir à sua eventual queda, mas para tal evento acontecer não basta não ser fascista, é preciso ser antifascista.

O que teria sido Cuba sem a Revolução?

O que teria sido Cuba sem a Revolução e sem o Movimento 26 de Julho? Afinal de contas, tanto debate, tantas afirmações e acusações sobre a suposta tirania comunista cubana por parte de democratas, centristas e liberais (ou por “socialistas” democráticos) que urge refletir sobre a seguinte questão: que Cuba teríamos hoje se a revolução cubana tivesse falhado?

Obviamente os leitores terão razão em exclamar “mas o que é isto? Algum exercício em história alternativa? Em fantasias mirabolantes do que poderia ter acontecido? De que nos serve isto?” e eu não posso deixar de lhes dar razão. A história alternativa, mesmo sendo uma actividade divertida que o autor gosta de exercer quando a sua mente não está ocupada, não serve para a política ou para a análise histórica, pelo menos num debate sério.

Mas creio que existe uma outra alternativa para analisar o que poderia ter sido sem entrar em fantasiosas realidades que nunca iriam acontecer, e é analisar a história de Cuba, o que a revolução cubana alcançou e tem alcançado e comparar tudo com a história dos países vizinhos. Creio que tal exercício será bastante útil, para poder comparar eficazmente o que aconteceu em Cuba com o que se passou nos seus vizinhos e para atacar o monstro que reside como um parasita na mente de muitos que se dizem de direita (e centro-esquerda) portuguesa, chamado “Cuba”.

Ora bem, se por qualquer motivo que não interessa agora analisar, a revolução cubana não tivesse sucedido, a ilha continuaria a manter-se nas garras do imperialismo americano. Eventualmente, Batista cairia quando deixasse de ser necessário a Washington e aos capitalistas americanos e cubanos, e o rotativismo da democracia burguesa voltaria em pleno fôlego… Até que as suas crises políticas constantes ameaçassem os lucros e aumentassem o movimento operário e revolucionário a tal ponto que fosse necessário outro ditador, que eventualmente cairia, num ciclo que continuaria até aos dias de hoje. Como noutros países das Caraíbas e América Central, tais como o Haiti ou a Guatemala, seria provável que algum candidato popular, social-democrata, possivelmente inspirado na teologia de libertação, chegasse ao poder, e ainda mais provável que o seu governo acabasse passados poucos meses, após tentar melhorar as condições da classe operária, num golpe apoiado pela CIA. Seria mais uma “democracia” liberal típica da América Latina, com toda a corrupção e autoritarismo que os opositores do governo cubano actual imputam no país, mas sem nenhum dos órgãos de poder popular que surgiram com a revolução. E quem achar que eu estou a especular, quem achar que Cuba seria uma democracia firme nos seus princípios, basta observar o que aconteceu no resto da América Latina, desde as várias ditaduras apoiadas pelos americanos no Haiti, ao assassinato de jornalistas aos opositores por esquadrões da morte na Colômbia, os golpes na Bolívia quando o povo elege uma alternativa socialista ou o que está a acontecer neste momento no Equador.

Jacobo Arbénz, tentou implantar a reforma agrária democraticamente na Guatemala, foi derrubado num golpe de estado apoiado pelos americanos

“Pois bem,” exclamam os anti-comunistas, “Cuba poderia ser mais uma democracia corrupta, mas sem o embargo a economia seria muito mais próspera e os trabalhadores cubanos viveriam muito melhor do que debaixo de um regime socialista!”. Em primeiro lugar, isso apenas dá mais força à nossa crença que o estado actual da economia socialista (e é importante dar ênfase nesta palavra) cubana se deve em grande parte ao embargo americano, e portanto, a culpa do suposto falhanço económico do socialismo cubano se deve à ingerência capitalista. Em segundo lugar, sem um embargo, mas mantendo-se a economia de livre mercado, como a de pré 1959, com os seus oligarcas, latifundiários, capitalistas e investidores americanos, é bem capaz que a qualidade de vida dos cubanos tivesse sido ainda pior. Como posso justificar tal crença? Basta olhar para a nação vizinha do Haiti. Existem poucos limites ao investimento americano na economia do Haiti, mas mesmo assim, uma grande parte da população vive na miséria, com muitos habitantes na capital a viver em literais lixeiras, com o crime a infiltrar-se em toda a sociedade. Além do mais, a economia do Haiti é altamente dependente da economia americana, o que torna o país efetivamente uma colónia americana. Cuba antes da revolução cubana era também uma economia dependente da exportação de matérias-primas para a América e que dependia das importações americanas para produtos de consumo. E, se a revolução cubana não acontecesse, a economia cubana seria muito provavelmente semelhante à do Haiti. Pobreza, alta taxa de desemprego, dependência da economia americana, etc., e tudo isto sem um embargo americano e com investimento americano! Mas pelo menos, a parca classe média que surgisse, dos gestores e administradores das empresas e plantações cubanas poderia comprar carros americanos novinhos em folha!

As favelas no Haiti

E isto tudo sem mencionar as outras conquistas económicas e sociais de Cuba. Se apagarmos a revolução cubana, apagamos todas as outras conquistas da revolução cubana: adeus fim da mal-nutrição infantil, adeus menor mortalidade infantil das Américas, adeus fim da transmissão da mãe para o filho do VIH e da Sífilis, adeus taxa de literacia de 99%, adeus brigadas médicas que participaram em 158 países e que envolveram mais de 300 mil médicos, adeus campanhas de literacia mundiais que deram a 10 milhões de seres humanos a capacidade de ler, adeus vacinas para a meningite, a hepatite e a dengue, etc. etc.

Sem revolução, adeus campanhas de literacia em massa!

Mas e os relatos de todas as dificuldades de Cuba? Os prédios degradados, a subnutrição, as famosas doações de material escolar e de material higiénico dos turistas a Cuba? As balsas de fugitivos que saíam de Havana para a América?

Tudo críticas válidas, mas: 1) Cuba, como todos sabem (menos as pessoas mentalmente desonestas) sofre dum embargo americano longuíssimo, e, durante a década de 90, perdeu o seu maior aliado e parceiro comercial, a União Soviética, e sofreu um enorme golpe, e 2) A pobreza extrema existe em muitos outros países da América Latina e das Caraíbas, mas é importante perguntar uma coisa: Algum desses outros países pode-se intitular paraísos democráticos, ou pode-se congratular com todos os sucessos de Cuba?

A questão é a seguinte: perante o contexto histórico e para os exemplos dos vizinhos dados acima, podemos dizer que o que aconteceu em Cuba foi algo negativo, algo que atrasou o desenvolvimento da nação cubana? Ou foi algo que, com todos os problemas que trouxe e todas as privações que infelizmente trouxe ao povo cubano, foi, não apenas melhor que a alternativa, mas algo que trouxe benesses ao povo cubano e ao mundo?

Muitos de nós do movimento comunista temos muitas opiniões, muitas das vezes divergentes, sobre a revolução cubana, sobre se de facto alcançou o socialismo, se podia ter feito certas ações de forma diferente, se devia ter tomado outras rotas de desenvolvimento, entre muitas opiniões e debates sobre Cuba. Mas numa coisa temos que ser firmes, perante ataques de anticomunistas que pretendem denegrir a revolução cubana, e principalmente quando o objetivo é justificar o capitalismo ou tentar justificar qualquer ação imperialista contra Cuba, defender Cuba e o que ela conseguiu, independente das nossas diferenças ideológicas com a política que Cuba seguiu.

Hasta la victoria siempre. Patria o muerte

V. da Silva

Um patriota não chora Marcelino da Mata

Comecemos por pôr uns pontos nos i’s.

Sem associar idealismos românticos, procuremos primeiro definir: o que é “a nação”, “a pátria” e o que é “um patriota”. É preciso que estas bases possam ser procuradas sem que para isso tenhamos que incorrer a noções abstractas ou individuais. Procuramos o que vai para além do conceito e se traduz na prática material do significado das várias palavras.

Selecionando do dicionário Priberam para a língua portuguesa os significados das palavras acima definimos:

  • nação – 1. Conjunto de indivíduos habituados aos mesmos usos, costumes e língua. 2. Estado que se governa pelas próprias leis. (nota: 1 não implica o 2, havendo nações sem estado, como a Catalunha)
  • pátria – 2. Nação a que pertence uma pessoa ou de que uma pessoa é cidadã.
  • patriota – 1. Que ou aquele que tem amor à pátria e a deseja servir.

Concluimos facilmente que a nossa nação (a portuguesa) é o conjunto de indivíduos com os mesmos usos, costumes e língua, compilada territorialmente pelo território histórico no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira ou na emigrados na diáspora lusa.

Esta nação não inclui territórios do antigo império colonial português por duas razões: 1. estes têm indivíduos com os seus próprios usos, costumes e línguas. 2. estes têm os seus próprios estados que se governam com as suas próprias leis.

Somos imediatamente obrigados a chegar a uma conclusão: a nação portuguesa como a conhecemos hoje nasce a 25 de abril de 1974. Tendo existido um rompimento tão grande a nível de usos e costumes (seja a nível político-governamental com o fim da repressão fascista e as suas práticas de censura e tortura, seja a nível popular em que vemos um agora livre movimento social, sindical e reivindicativo, ou na passagem de uma economia que se reestrutura), como com as próprias fronteiras de estado e leis, não se pode dizer que estejamos a falar da mesma nação antes e depois de 1974.

Há uma imagem que passa através da educação (reminiscências do salazarismo) de que Portugal é o mesmo povo há muitos séculos, há quem se atreva a levar o romantismo até aos lusitanos. Vou poupar a chatice àqueles que não conhecem sobre a língua, costumes, usos e hábitos dos lusitanos, romanos, das pessoas do tempo de D.Afonso Henriques, de D.Filipe I, de D.Pedro IV, ou até da Primeira República e do Estado Novo: pouco têm a ver com os nossos. Uns mais, outros menos. Mas em nenhum se pode argumentar que éramos o mesmo conjunto de indivíduos com os mesmos usos e costumes e língua e leis que hoje. Não éramos.

Como é óbvio isto não retira a enorme influência da nossa própria história sobre a sociedade portuguesa de hoje em dia. Apenas ajuda a vê-la com mais desapego quando se vêm de um país que ao contrário dos restantes pouco mudou as famílias que o reinavam e as suas fronteiras europeias. Esta é uma coesão geopolítica que ajuda a manter o mito de que uma nação com menos de 50 anos tem 10 séculos. Somos herdeiros do bom e do mau, mas não somos os mesmos.

Passamos também a ter que rever a ideia de pátria: a pátria portuguesa só nasce com a nação, em 1974. Esta definição de pátria torna as coisas muito pouco complicadas: pessoas de nações diferentes podem ter a mesma pátria se partilharem da mesma cidadania. Ou seja, a pátria portuguesa inclui quem pertence à nação portuguesa e quem a ela se fez pertencer, seguindo as suas leis, abraçando os seus costumes e fortalecendo a sua multiculturalidade.

Isto pede portanto uma clarificação: a pátria portuguesa não era a mesma em 1143, em 1500, em 1808, em 1910, em 1933 ou em 1974. Qualquer pessoa não hesitaria em negar a pátria salazarista como idêntica à sua, não fosse terem-se passado uns míseros 46 anos da queda do último regime, sendo esta também a maior mudança geopolítica e a mais brusca da História nacional.

Há, no entanto, quem se intitule de patriota e queira fazê-lo, renegando a nova nação portuguesa pós-25 de Abril. Estas pessoas não são patriotas. São saudosistas do fascismo de Salazar.

Estas pessoas não podem ser patriotas, porque não têm amor à pátria que nasceu dos cravos, nem desejam servi-la. Desejam servir os seus interesses xenófobos, de classe ou pessoal e para isso abandonam toda a dialética do desenvolvimento da História. Portugal parou quando lhes servia, quais alucinados absolutistas em tempos de republicanismo.

Os valores de Abril das quais nasce a nova nação portuguesa são simples: liberdade, democracia, integração e (até se iniciar a contra-revolução a 25 de Novembro de 75) o caminho para o socialismo. O colonialismo e o imperialismo deixam de ser “costumes nacionais” como era até então e passam a ser costumes de classe. O racismo passa a ser institucionalmente condenado mas cada vez mais promovido pela burguesia de forma indireta para dividir a classe trabalhadora e a sua luta.

Como é que isto deixa os combatentes da Guerra Colonial?

Com dois casos: vítimas do fascismo português, como era a maioria, ou criminosos de guerra, como o eram alguns.

A nova nação portuguesa tem que saber assumir os erros e barbaridades da sua antecessora para com os seus povos irmãos. Muito à semelhança da nova Alemanha pós-2ªGuerra Mundial, tem que saber condena-los veemente e trazer os seus responsáveis à justiça. Porque embora fosse diferente a opressão, o opressor era o mesmo cá e lá: o capitalismo fascista.

Sendo assim, quem era Marcelino da Mata?

Marcelino da Mata foi o militar português mais condecorado de sempre, todas as distinções durante a ditadura, incluindo uma Torre Espada, maior ordem militar portuguesa.

Porque é que este homem não é um patriota? Porque este era um homem que se gabava de torturar prisioneiros, dizendo que nem os entregava à PIDE, que apenas lhes cortava o pénis que lhes enfiava na própria boca e que assim os via a morrer. Este é um homem que numa entrevista ao Diabo em 2014 diz que a Guerra não estava perdida. Uma guerra que se tinha alastrado por 13 anos e que vitimou em combate 200 mil pessoas, outras tantas fora dele. Uma guerra em que de facto já não existia nenhuma vontade política para a convivência, ou seja, as ex-colónias identificaram-se enquanto nação e Portugal reformulava-se enquanto uma que rejeitava o imperialismo dos anos anteriores.

Marcelino da Mata era um assassino e um criminoso de guerra. Teve ligado à contra-revolução e esteve sempre próximo do PNR e mais recentemente Chega.

Este homem rejeitava e passou o resto da vida a rejeitar qualquer avanço e vontade do povo português e dos restantes povos das ex-colónias. Desculpá-lo como membro das Forças Armadas durante uma guerra é patético, porque combater não implica cometer crimes e atentados à Humanidade. Não é viável que ele seja desculpado no seu salazarismo e é preciso dizê-lo sem papas na língua: é um escândalo e um vergonha e um insulto a verdadeiros patriotas ter um homem destes homenageado na Assembleia da República.

Não achemos que a politização da morte de Marcelino da Mata é acidental: faz parte da nova vaga do movimento reacionário que tenta usar de bandeira representantes de uma minoria que tencionam oprimir, a servir um regime que adoravam restaurar e anti-comunistas ferrenhos. Querem continuar a distorcer a noção de nação e de patriotismo e querem convencer-nos que ser patriota é ir defender uma bandeira e os interesses dos capitalistas, mesmo que isso signifique dar a vida ou que no meio se cometa terrorismo.

Marcelino da Mata não é para mim, nem nunca foi um patriota. Era alguém que queria que o meu Portugal fosse destruído e substituído por um decadente. Ele não é exemplo desta nação, é o pior da sua História. E quem tem receio em afirmar-lo, como foi o caso do PS, ficará para a História, como é costume desse partido, como os lobos vestidos de ovelha que ajudam a reconstruir o ideal fascista.

Nós, patriotas a sério, patriotas de Abril, nunca o permitiremos.

Rodrigo A. Silva

De olhos postos em Espanha

Quando o VOX começou a subir em Espanha, fui dos muitos que considerei aquilo, não só extremamente importante, como um arrepiante prelúdio do que poderíamos vir a ter cá por Portugal, que a fronteira neste momento mais imaginária do que outra coisa não serviria de cordão sanitário à mais recente onda de neo-fascismo populista ibérico.

Infelizmente, a História provou-nos certos e os dois estados na Península Ibérica parecem estar muitas vezes interligados a nível político. Apesar das diferenças entre os povos ibéricos, condições materiais e históricas criaram pressões similares com respostas também elas similares, a nível político – com a óbvia diferença das “questões nacionais” existentes no estado espanhol e outras particularidades às duas culturas.

Mas o processo contra-revolucionário que se vive em Portugal desde 25 de Novembro de 1975 conseguiu atirar para debaixo do tapete o problema nazi-fascista. Conseguiu fazê-lo durante 44 anos.

Já a falsa transição democrática em Espanha nunca escondeu o seu orgulho no franquismo e no nazi-fascismo. Repulsivamente tentou sempre desviar as atenções para os movimentos independentistas. A entrada na CEE/UE em nada ajudou a fiscalizar os ânimos dos ainda vastos movimentos franquistas.

Após anos de instabilidade política encontrou-se governo numa coligação PSOE-Unidas Podemos. O PSOE pouco mais é do que o nosso PS, um partido burguês vestido de vermelho não porque gosta da cor, apenas porque sabe que o torna mais atraente. Já o Unidas Podemos é uma coligação de coligações de rompimentos que vai do centro-esquerda à esquerda revisionista (apesar do PCE estar numa das coligações dessa mixórdia a sua voz é muito diminuta).

Os revisionistas, oportunistas e liberais da esquerda portuguesa babavam-se de apoios a um governo que para ser formado necessitou de duas eleições num ano, deixando o VOX crescer até se tornar o terceiro maior partido espanhol, o maior que não governa. Sonhavam que os equivalentes portugueses tivessem um dia a mesma sorte, e nos víssemos num governo PS-BE em breve.

Tamanho é o oportunismo que sonham com pesadelos.

O partido fascista de cá tem de facto vindo a imitar os episódios de outra canalha da mesma laia que nos é culturalmente relacionável: o Brasil de Bolsonaro, os EUA de Trump e a Espanha que enquanto instituição é cada vez mais sem vergonha de Abascal.

A par das manifestações anti-anti racistas do Chega tivemos as marchas anti-confinamento do VOX (também por cá manobradas pela extrema-direita, mas mais pela calada). Espanha nunca teve medo de esticar o braço, por cá estão cada vez mais a não ter medo também de o fazer.

Esta relação não só entre o ambiente político português como o espanhol cria atmosferas de possibilidades perigosas: crescimento parlamentar e de facto das forças fascizantes, cada vez mais sem medo e cada vez mais organizadas; e a fraqueza de um possível governo entre forças sociais-libertárias, que também elas aumentam o protagonismo do fachismo.

No passado sábado este governo aplaudido pela esquerda liberal mandou prender o rapper Pablo Hasél. Este camarada, pois é marxista-leninista, é acusado… de crime de expressão. De insultos à coroa, ao rei e ao Capital. Pablo Hasél é pela segunda vez ( a primeira foi em 2008) preso político.

Neste mesmo dia o governo deu permissão para que houvesse celebração em honra aos mortos da Divisão Azul – voluntários ibéricos que lutaram ao lado dos nazis na Segunda Guerra Mundial. De braço esticado cantaram músicas franquistas, alçaram bandeiras nazi-fascistas e até houve direito a padre numa cerimónia em que se gritou morte “ao judeu e ao marxismo”.

Se olhar para Espanha é muitas vezes olhar para Portugal, então, olhemos bem e atentamente, porque lá poderemos ver não só as formas reais do oportunismo-reformismo, mas como a sua eventual aliança ou passividade cúmplice com as forças reacionárias.

Isto para desenganar quem acha que Arcos da Governação (PSD-PS) ou imitações liberais (PS-BE) nos podem salvar do crescimento das forças fascizantes. É nosso dever, enquanto marxistas, enquanto comunistas, tentarmos entender todas as variantes que potenciaram os fenómenos neo-fascistas (EUA, Brasil, Espanha, França e Polónia principalmente).

É altura de percebermos que a “liberdade de expressão” tornou-se uma arma da burguesia que só a esta serve. A classe trabalhadora não precisa de se expressar. Precisa de se organizar para um dia poder reprimir quem a oprime.

Apoiar Pablo Hasél é fundamental durante os próximos dias, bem como a todos os camaradas e anti-fascistas presos pela monarquia. A solidariedade é um traço dos comunistas e não podemos largar a mão a ninguém.

E mais do que tudo precisamos de ficar atentos, porque cada vez estão se a criar as pressões para um dia termos um dia cá como lá foi este sábado. Cabe-nos a nós garantir que isso não acontece.

Como disse um homem que é para mim o maior português da História:

“Que se sentem os fascistas no banco dos réus”

#LlibertatPabloHasel

Rodrigo A. Silva