Porquê rejeitar o Capitalismo?

Se somos comunistas, e portanto, anti-capitalistas, temos que ter boas razões para rejeitar o sistema económico vigente e ter a capacidade para convencer, de forma simples mas cogente, aqueles que ainda não o rejeitaram. Este artigo procura exatamente isso.

Nota: este artigo não é a opinião final do Jornal Bandeira Vermelha, mas apenas a opinião de um dos seus editores. Toda a responsabilidade cabe apenas a ele. Qualquer duvida ou crítica ao que for exposto neste artigo será bem vinda.

Capitalismo - Wikiquote

Como funciona o sistema capitalista? Bem, uma grande parte da população mundial, os produtores assalariados, interagem com a natureza e com os meios de produção para produzirem bens e serviços, em troca de um salário. Esses bens e serviços são depois apropriados diretamente ou indiretamente pelas empresas dos trabalhadores, ou melhor dizendo, pelos capitalistas, gestores, adminsitradores, concelhos de administração e outros orgãos administrativos dessas empresas, que depois os vendem no mercado. Dessa venda recebem dinheiro, que é usado para pagar salários, custos de produção, os seus próprios vencimentos e prêmios, impostos, para investir no mercado financeiro e em formação de capital, para pagar os salários de trabalhadores não produtivos (como advogados, pessoal de marketing, etc etc.) e para outras despesas que não importa aqui mencionar.

Com os rendimentos que recebem dos seus salários, os produtores compram os bens e serviços no mercado para continuarem a viver e a poderem ir trabalhar. Os gestores fazem a mesma coisa, se bem que, com os seus rendimentos maiores, podem se também dedicar a uma vida de luxo e prazer, algo impensável para muitos dos assalariados. O mercado financeiro funciona como credor e depósito dos rendimentos de toda a sociedade, o Estado serve como o defensor do sistema capitalista e da paz social (atravês de meios repressivos, como a polícia e o exército, e meios mais benéficos, como subsídios, o sistema educativo e programas de ajuda social), e os trabalhadores não produtivos servem também para manter o sistema capitalista atravês da sua ação, como é o caso de advogados ou do pessoal de marketing.

Temos aqui, muito resumidamente, o que acho que é o sistema capitalista moderno nos seus compontentes mais essenciais. Para ajudar quem não tenha compreendido, aqui fica um desenho:

Compreendido? Aqueles com uma maior compreensão do sistema poderão estar a praguejar perante esta explicação, mas peço que sigam a minha linha de pensamento.

Sendo que é assim que o sistema capitalista funciona, os comunistas e anti-capitalistas podem ser tentados a criticar o capitalismo pela maldade dos seus intervenitentes, nomeadamente os capitalistas e os gestores, pelo facto de serem gananciosos e de portanto enganarem os trabalhadores. No entanto, esta crítica é ínutil, pois arrasta-nos para um debate prolongado sobre a moralidade e sobre se na verdade os capitalistas são bons ou mãos.

A nossa crítica não se devia basear na moralidade dos agentes no sistema capitalista, mas sim nos aspetos alienadores, destruidores e suicidas que o sistema implica, pois estes são irrefutáveis. É esses aspectos que eu vou falar sobre no resto do artigo.

Em primeiro lugar, temos que falar sobre a insustentabilidade do proprio sistema capitalista em relação ao planeta em que ele reside. Como demonstrado anterior, a unica forma de as empresas fazerem um lucro é empregarem trabalhadores para entrarem “em contacto” com a natureza e transformar os seus recursos em mercadorias e serviços. E é uma das exigências fundamentais do sistema capitalista que as empresas aumentem constantemente os seus lucros, pois caso contrário, não serão capaz de sobreviver no mercado (mais sobre isso depois). Então, conclui-se que é necessário “arrancar” cada vez mais recuros do planeta para sustentar o sistema capitalista. No entanto, isto é claramente impossível! Um planeta com recursos finitos não pode sustentar um crescimento infinito! O crescimento pelo próprio crescimento, um dos axiomas sobre o qual o sistema capitalista funciona, é a ideologia das células cangerígenas! Espero não ser necessário para o leitor que eu lhe aponte as consequências deste aspeto do capitalismo, basta observar a emergência climática que se aproxíma, a destruição dos solos ferteís e o cada vez mais próximo fim das reservas de petróleo mundiais.

Uma plantação de óleo de palma na Indonésia, no que antes era floresta virgem

Em segundo lugar, a própria forma em que os recursos naturais são transformados em produtos pelos trabalhadores com recurso aos meios de produção, o trabalho, é uma realidade profundamente alieanante, onde uma pessoa tem que trabalhar por 30, 40, 50 ou horas por semana, não por amor ao que faz, não por se identificar com o produto final (pois para o “trabalhador comum” não especializado tanto importa se faz lápis, rótulos ou trabalha numa caixa de supermercado), mas porque precisa de pagar as contas para sobreviver, porque precisa de viver (sugestão: ler o manifesto contra o trabalho do grupo exit http://www.obeco-online.org/manifest.htm). Isto sem tocar na questão da mais valia, em que o valor produzido pelos produtores é apropriado pelos capitalistas e/ou gestores, ou seja, do valor que eles adicionam a uma mercadoria ou bem vendida no mercado, os produtores apenas recebem parte, com o restante a servir como lucro dos capitalistas e das empresas.

Em terceiro lugar, as empresas modernas, entidades altamente hierárquicas onde os trabalhadores são tratados como qualquer outra ferramenta, apenas capaz de aumentar os lucros na spreadsheet do final do ano, tem como único objetivo o aumento dos seus lucros, que tem que aumentar, não olhando a meios. Se necessário for cortar benefícios aos trabalhadores, assim seja. Se for necessário mudar as fábricas para países onde a mão de obra seja quase escrava, assim seja! Normalmente, o que acontece é que as empresas, através de um meio de progresso tecnológico, diminuição de custos de produção, campanhas publicitárias, compra/absorvação de rivais, e diminuição temporária de preços para conquistar mercados, aumentam a curto prazo os seus lucros, levando os seus competitores à falência, nomeadamente as pequenas empresas familiares. Basta ver o que acontece às mercearias de bairro quando chega uma cadeia de supermercado à sua área de operações. Desaparecem!

Em quarto lugar, com o progresso do sistema capitalista, o mercado financeiro aumenta cada vez mais a sua importância. Bncos, crédito e débito, ações, bolsa de valores, obrigações, ferramentas financeiras, etc etc tornam-se, para os poderes dominantes, sinónimos de riqueza, progresso e crescimento económico. Mas quando a produção de riqueza duma economia se torna o produto de um autêntico casino, é inevitável que vá dar porcaria. As cada vez mais cíclicas crises do capitalismo, que tem muitos outros fatores, demasiados para serem aqui todos enumerados, levam à miséria generalizada da sociedade, com todas as consequências que nós sofremos aquando da crise de 2008-2011 e que vamos sofrer com a pandemia mundial. E mesmo em períodos de riqueza, prosperidade ou até de recuperação, o estilo de vida de muitos trabalhadores e o crescimento de muitas empresas é baseado num crescente endividamento, num sistema claramente insustentável.

Um grande crash das bolsas pior que 2008 vem aí
Quem já se esqueceu do crash de 2008? É que vem ai outro pior…

Em quinto lugar, tal como a produção de bens para sustentar o sistema capitalista tem que recorrer a um uso cada vez maior de recursos do planeta, as empresas e os capitalistas tem que aumentar cada vez mais os seus mercados, a mão de obra disponível e os recursos que podem extrair, se necessário for, à força. Isto leva inevitavelmente ao imperialismo, em que na procura incessante de aumentar lucros, as potências mundias lutam abertamente (como durante o século dezanove e a 1a Guerra Mundial) ou atravês de meios mais secretos (como durante a guerra fria e o período histórico do neoliberalismo, sobre o qual ainda vivemos) por abrir à força os mercados dos países que ainda não abraçaram na totalidade o sistema capitalista, com todas as consequências funestas que isso implica. Um dos últimos exemplos que me consigo lembrar foi o golpe de estado na Bolívia por causa da resistência do governo anti-imperialista do MAS à exploração das vastas reservas de lítio nacionais pelas multinacionais norte americanas.

Em sexto lugar, o estado moderno, por muito democrático e liberal que seja, será sempre uma ditadura da burguesia. Não uma ditadura no sentido que o Estado Novo o foi, mas sim no sentido em que o poder do estado é usado pela burguesia na sua luta de classe contra os produtores assalariados, ou seja, contra a classe operária e trabalhadora. Como disse Lenine:

“Qualquer que for a forma com que se encubra uma república, por democrática que for, se for uma república burguesa, se conservar a propriedade privada da terra, das fábricas, se o capital privado mantiver toda a sociedade na escravatura assalariada, […] o Estado será sempre uma máquina para que uns reprimam outros. E devemos pôr esta máquina em mãos da classe que terá de derrocar o poder do capital. Devemos rechaçar todos os velhos preconceitos em torno de o Estado significar a igualdade universal; pois isto é uma fraude: enquanto existir exploração, não poderá existir igualdade. O proprietário não pode ser igual ao operário nem o homem faminto igual ao saciado. A máquina, chamada Estado, diante da qual os homens se inclinavam com supersticiosa veneração, porque acreditavam no velho conto de que significa o Poder do povo todo, o proletariado rechaça e afirma: é uma mentira burguesa.

E são estes os seis pontos que acho serem das críticas mais simples de explicar contra o sistema capitalista, se bem que existem outras, nomeadamente, a questão do desemprego, que é uma exigència deste sistema, que não puderam aqui ser mencionadas por questões de brevidade.

No entanto, obviamente que qualquer pessoa que exponha estas ou as suas críticas ao sistema capitalisa irá inevitavelmente ouvir que isso apenas são problemas acessórios do capitalismo, que podem ser reformados e eliminados sem ser necessário uma revolução. Não podem! Pelo que vimos do modelo exposto do sistema capitalista e de qualquer análise séria do mundo atual, estes problemas são inerentes ao capitalismo e só podem ser combatidos seriamente e permanentemente com o fim do sistema capitalista.

E qual é a alternativa ao sistema capitalista, ao capitalismo? O comunismo, sociedade sem classes, dinheiro nem estado, sem exploração do Homem pelo Homem, em que o trabalho seja feito pelo prazer e não pela sobrevivência. Sociedade essa que será alcançada primeiro pela revolução proletária e depois pela ditadura do proletariado, pela ditadura dos produtores contra todos aqueles que os queiram arrastar de volta para a escravatura do assalariato e do sistema capitalista.

Alguns podem chamar isto de uma utopia, nós, comunistas, declaramos que isto é uma necessidade histórica. Temos portanto o dever de levar aos produtores, aos trabalhadores a rejeição do sistema capitalista, sistema que os explora, os oprime e os mata, através do uso de argumentos, como os expostos aqui, mas também atráves da luta pelos seus interesses imediatos e a longo prazo, ou seja, atráves da participação na luta de classes. Como disse Marx e Engels em 1848, no seu manifesto:

Os comunistas rejeitam dissimular as suas perspectivas e propósitos. Declaram abertamente que os seus fins só podem ser alcançados pelo derrube violento de toda a ordem social até aqui. Podem as classes dominantes tremer ante uma revolução comunista! Nela os proletários nada têm a perder a não ser as suas cadeias. Têm um mundo a ganhar.

Proletários de Todos os Países, Uni-vos!

Online Course: Art of the Russian Revolution — Pushkin House

V. da Silva

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