A invasão ao Capitólio, a casa de uma democracia coxa

Num dia onde os Estados Unidos da América registaram um recorde diário de mortes pelo segundo dia consecutivo devido à pandemia COVID-19, com um total de 3964 mortes, um grupo de manifestantes invadiu o Capitólio, o centro legislativo do Estado norte-americano. O Estado da Georgia, que na última década tem sido maioritariamente republicano, tinha conseguido eleger dois senadores e iniciara-se a cerimónia de contagem de votos do colégio eleitoral de modo a consumar a passagem de poder para Joe Biden.

No entanto, um grupo de manifestantes que em frente ao Capitólio se tinha reunido para protestar aquilo que consideram ter sido uma fraude eleitoral forçou a entrada na casa onde estava a decorrer a contagem de votos do colégio eleitoral sem grande oposição por parte da polícia do Capitólio. Neste grupo estavam membros de organizações supremacistas brancas e os Proud Boys. O seu líder Enrique Tarrio ajudou a planear esta ação dia antes na rede social Parler. Foi equacionada qual a melhor forma de entrar no edifício bem como qual a melhor forma de trazer armas ilegalmente para Washington. Foi recomendado serem evitados confrontos com a polícia.

A fraca intervenção policial permitiu que os ali presentes entrassem na câmara, posassem para fotos, entrassem nos escritórios de senadores e roubassem documentos enquanto congressistas, senadores e outros funcionários do Capitólio se escondiam nas galerias para evitar confrontos. Os confrontos escalaram quando os manifestantes quiseram entrar em salas onde estavam congressistas e na sequência a polícia acabou por alvejar uma mulher. A tensão aumentou ainda mais nos momentos seguintes e acabaram por morrer mais três pessoas e cinquenta e duas foram detidas algumas das quais por posse ilegal de arma.

As autoridades também encontraram e desativaram duas bombas caseiras nas proximidades da sede dos secretariados nacionais dos Partidos Democrata e Republicano. E descobriram ainda uma viatura no terreno do Capitólio, onde se encontrava uma espingarda e até dez bombas incendiárias, informou a CNN.

Biden opôs-se veemente e declarou que “Nunca vimos nada assim em tempos modernos. É um assalto contra a cidadela da liberdade, o Capitólio em sim. É um assalto contra os representantes do povo, contra a polícia que jurou protegê-los, contra o Estado de direito como vimos poucas vezes”. Também salientou “Hoje serve como um alerta doloroso para a fragilidade da democracia”.

De forma anónima, para a agência Reuters, membros das forças policiais afirmam ter sido “um dos mais graves lapsos de segurança da história recente dos Estados Unidos”. Apesar dos rumores de perigo, a força policial do capitólio não solicitou ajuda antecipada para proteger o prédio de outras agências federais, como o Departamento de Segurança Interna, de acordo com um alto funcionário. E os reforços da Guarda Nacional, convocados pelo presidente da cidade, não foram mobilizados até mais de uma hora depois de os manifestantes romperem as barricadas.

O secretário geral da NATO e o chefe da diplomacia da UE condenaram esta manifestação. O primeiro ministro de Portugal declarou que confia “na solidez das instituições democráticas dos Estados Unidos” e defende uma “transição pacífica de poder”.

Trum afirmou que “É isto que acontece quando uma vitória eleitoral com uma vantagem sagrada é arrancada sem cerimónias e maldosamente aos enormes patriotas que têm sido tratados tão mal e tão injustamente durante tanto tempo”. Na rede social Twitter aconselhou os seus apoiantes a irem para casa “com paz e amor” e para se “lembrarem deste dia para sempre”.

Depois de ver bloqueada a sua conta no Twitter assumiu que “Embora eu discorde totalmente do resultado da eleição, e os factos me deem razão, mesmo assim haverá uma transição ordeira do poder no dia 20 de janeiro. Sempre disse que iríamos continuar a nossa luta para garantir que apenas os votos legais seriam contados. Embora isto represente o fim do melhor primeiro mandato da história presidencial, foi apenas o início da nossa luta para Fazer da América Grande Novamente (Make America Great Again)”.

Já passam largos anos desde que os Estados Unidos da América se declararam independentes da Inglaterra e instauraram um sistema democrático liberal. No entanto, este sempre se propôs a funcionar de e para os colonos que ali se fixavam em detrimento dos muitos indígenas e escravos que lá viviam que pagaram muitas vezes com a sua própria vida para que a democracia norte-americana singrasse. As suas contradições nunca foram enfrentadas embora conquistados alguns avanços no campo dos direitos civis como o direito ao voto das mulheres e da população negra. Tais contradições são hoje facilmente visíveis na diferença de tratamento entre a polícia e as manifestações contra a violência policial e a favor da causa “Black Lives Matter” e as da última quarta-feira que culminaram na invasão ao capitólio.

Com um historial de intromissão e por vezes invasão de alguns países de “terceiro mundo” ou “em desenvolvimento” muitas vezes para colocar governos favoráveis às políticas norte-americanas, os Estados Unidos veem-se agora com países como a Venezuela a manifestar solidariedade para com o povo americano.

Fontes: CNN, Reuters

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